O Globo, n. 32035, 22/04/2021, Sociedade, p. 14
Nova variante pode estar por trás de colapso na Índia
Constança Tatsch
22/04/2021
Com o colapso no sistema sanitário, falta de leitos e oxigênio, cemitérios sobrecarregados e recordes de casos e mortes pela Covid-19, a Índia enfrenta uma segunda onda dramática da pandemia. Por trás dela, pode estar uma nova variante, a B.1.617.
Identificada pela primeira vez em dezembro de 2020 no país, em fevereiro já era prevalente em 24% das amostras que passaram por sequenciamento genético. Segundo o site científico Outbreak.info, atualmente ela é a mais importante no país e corresponde a 29% dos casos.
O virologista Fernando Spilki, coordenador da Rede Corona-ômica, diz que a nova variante está mudando a situação do país:
—Infelizmente, no contexto das variantes com maior transmissibilidade, e não havendo as medidas de controle adequadas, vemos no país o mesmo filme que no Brasil.
Segundo ovirologista, a variante que emergiu por lá se destaca por duas mutações específicas: a E484Q e a L452R, em uma conjunção inédita.
Na P1, variante que domina o Brasil e agravou a pandemia nos últimos meses, há a mutação E484K, bastante parecida. Essa alteração também está presente nas variantes da África do Sul e do Reino Unido. Já a mutação L452R foi identificada em linhagens nos EUA que podem gerar preocupação.
A variante já foi detectada em 17 países de todos os continentes, mas ainda não na América do Sul.
O médico, neurocientista e professor catedrático da Universidade Duke (EUA) Miguel Nicolelis pediu ontem que o Brasil interrompa os voos vindos da Índia.
— O que está acontecendo na Índia é o que aconteceu aqui, em escala maior. Fora nossas variantes, se permitirmos que essa chegue ao Brasil não dá nem para prever.
A Índia, segundo país mais populoso do mundo, registrou ontem o seu pior dia da pandemia, com recorde de mortes e casos confirmados de Covid-19: foram mais de 2 mil óbitos e 295 mil infectados em 24 horas. O país de 1,3 bilhão de habitantes sofre com uma nova variante, a B.1.617, que possivelmente tem maior transmissibilidade e fez explodir o número de casos, levando o sistema de saúde a entrar em colapso.
O país chegou ao total de 182.553 mortos pela Covid-19 desde o início da pandemia, atrás apenas do Brasil, que contabiliza mais de 378 mil mortes, e os EUA, onde o número de vítimas fatais, que vem caindo desde janeiro, é de quase 569 mil.
A média móvel de casos diários registrada hoje na Índia, de 248 mil, é quase quatro vezes maior do que a do Brasil, com cerca de 63 mil.
Para tentar controlar a transmissão do vírus, a capital ,Nova Délhi, decretou quarentena por seis dias. O estado de Maharashtra, onde fica Mumbai e uma das zonas mais afetadas pela aumento de casos, também planeja medidas de restrições para controlar o avanço da pandemia. O primeiro-ministro Narendra Modi, no entanto, tem se recusado a adotar uma nova quarentena nacional e pediu à população um esforço maior para enfrentar o vírus.
ELEIÇÕES E EVENTOS
A Índia viveu um pico de mais de 93 mil casos por dia em média durante a primeira onda, no ano passado. Mas, após adotar uma quarentena severa, as infecções diminuíram abruptamente: entre o fim janeiro e o começo de fevereiro, a média chegou a menos de 10 mil novos casos e cerca de 100 óbitos por dia.
No início de março, o ministro da Saúde indiano, Harsh Vardhan, chegou a declarar que o país estava na “fase final” da pandemia e as autoridades da Índia anunciaram eleições em cinco estados. A campanha começou a todo vapor, sem protocolos de segurança nem distanciamento social.
Também foram autorizadas partidas de críquete, esporte popular no país, com a presença de público, reunindo mais de 130 mil torcedores, a maioria sem máscara.
Como resultado, o país vive agora uma segunda onda maior, e hospitais de Nova Délhi começaram a ficar sem oxigênio. Há também relatos de falta de ambulâncias para transportar os doentes aos hospitais e funerais lotados.
VACINAÇÃO AVANÇADA
Modi, um nacionalista hindu que enfrenta críticas por ter permitido festivais religiosos, partidas esportivas e comícios quando as infecções diminuíram, fez seu primeiro discurso desde a explosão da segunda onda. Ele sugeriu, em lugar de uma quarentena, a criação de zonas de contenção.
— A situação estava sob controle há algumas semanas e a segunda onda veio como um furacão. A demanda por oxigênio aumentou — alertou, em um discurso transmitido pela televisão estatal, na noite de terça-feira. — Estamos trabalhando com rapidez e sensibilidade para garantir oxigênio a todos que precisam. Todos estão trabalhando juntos.
O país, que está entre os maiores produtores mundiais de imunizantes, já vacinou com a primeira dose quase 10% da população, num total de 130 milhões de pessoas, e é o terceiro país do mundo em números absolutos de doses administradas. Na segunda-feira, o governo anunciou que todas as pessoas acima de 18 anos estarão elegíveis para receber a primeira dose a partir do dia 1º de maio.
Em janeiro, a Índia começou a enviar imunizantes para países estrangeiros como parte de sua muito alardeada “diplomacia de vacinas”. Agora, diante do aumento de casos, o país suspendeu temporariamente todas as exportações da AstraZeneca/Oxford e permitiu a importação de vacinas estrangeiras. O Instituto Serum, o maior produtos indiano e um dos maiores do mundo, pediu aos EUA que permitam a exportação de matérias primas de vacinas para aumentar sua produção.