O Globo, n. 32035, 22/04/2021, Economia, p. 19

 

Gasto extra no orçamento
Fernanda Trisotto
22/04/2021

 

 

 

Sem retomar as reformas estruturais, como a administrativa, o governo pode ter um aumento de até R$ 560 milhões nos gastos com pessoal em 2021 apenas com a reintegração de servidores dos ex-territórios.

A Comissão Especial dos ex-Territórios de Rondônia, Roraima e Amapá (CEEXTSGP) precisa analisar 35.380 processos de funcionários que foram contratados nos territórios e agora pleiteiam a transposição para os quadros da União. Desde 2014, quando a comissão foi instituída, foram recebidos 75,3 mil pedidos de migração. A maior parte, 25,5 mil, foi indeferida, mas já migraram para a folha do governo federal 8.933 servidores.

Segundo a comissão, a maioria dos pedidos de transposição vem de professores e pessoas que ocuparam cargos comissionados diversos em secretarias de Estado ou prefeituras. Também há pedidos de policiais e profissionais da saúde, como médicos.

Até os anos 1980, era a União que autorizava contratações e repassava verba para os pagamentos aos territórios. Ao se tornarem estados, assumiram a despesa com pessoal.

De acordo com o Ministério da Economia, os quase nove mil servidores que já migraram para os quadros da União representam um gasto anual de R$ 671,9 milhões, com base na folha de fevereiro de 2021. Ainda há 5.537 pedidos aprovados, mas que têm algum tipo de pendência jurídica para terem a inclusão formalizada.

O impacto financeiro será ampliado a partir das novas migrações que ocorrerão neste ano: há uma reserva de R$ 560 milhões no Orçamento para isso. Mas o processo de inclusão é lento: em média, são analisados 600 processos por mês.

REGRAS DIFERENTES

O governo pode registrar o gasto extra no ano em que lida com pressão nos cofres em razão das despesas necessárias para fazer frente à pandemia. Além disso, a União enfrenta dificuldades para avançar com a proposta de reforma administrativa, que está parada no Congresso e afetará apenas os futuros funcionários públicos.

Os servidores que migram para os quadros da União desempenhavam funções diversas nos territórios, mas a maior parte atuava nos setores de educação, saúde e segurança. No governo federal, são enquadrados em função equivalente, para que não haja prejuízo nem benefício. Atualmente, recebem, em média, R$ 6.200 mensais, com remunerações que vão de R$ 1.100 a R$ 35.900.

Três emendas à Constituição regulamentaram a transposição dos servidores. As regras de migração, no entanto, não são as mesmas para todos. Rondônia, que foi transformado em estado antes, em 1981, pode passar para a União servidores admitidos entre dezembro de 1981 e março de 1987 e que comprovem vínculo atual com o ente.

Já nos casos do Amapá e de Roraima, que se tornaram estado em 1988, a transposição abarca os servidores que trabalharam entre outubro de 1988 e outubro de 1993 e que mantiveram vínculo de trabalho de pelo menos 90 dias.

Uma nova proposta de emenda à Constituição (PEC) visa a uniformizar essas regras. Apresentada em 2018, a matéria foi relatada pelo senador Marcos Rogério (DEM-RO) e aguarda inclusão na pauta da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa.

—A PEC vai garantir o enquadramento de todos que mantiveram vínculo de trabalho com a administração dos ex-territórios e seus municípios, incluindo Executivo e poderes Legislativo e Judiciário, além do MPE e do TCE, e dos policiais civis e militares, durante os dez primeiros anos de criação dos respectivos estados — explicou Marcos Rogério.

ALÍVIO PARA OS ESTADOS

Algumas categorias ainda pleiteiam inclusão nas regras de transposição ou esclarecimentos em relação ao enquadramento, o que pode provocar judicialização da questão. É o caso dos delegados de Roraima, que tinham cargos comissionados, e de funcionários de algumas estatais de Rondônia, como as companhias telefônica (Teleron) e de eletricidade (Ceron) e o banco do estado (Beron).

Para os parlamentares, a migração desses servidores é um tipo de reconhecimento a esses funcionários públicos que trará repercussões importantes tanto para aliviar as contas públicas dos estados, que gastarão menos com pessoal, quanto para movimentar a economia local.

— Num estado pequeno, que tem sua economia muito voltada para a remuneração dos funcionários públicos, isso melhora muito a economia — avaliou o deputado Hiran Gonçalves (PP-RR).

O senador Marcos Rogério segue a mesma linha:

— A transposição é uma questão de justiça. Além disso, a transposição também vai desonerar a folha dos estados em valores significativos e acrescentar nova receita na economia dos mesmos.

“A transposição éuma questão de justiça. Além disso, a transposição também vai desonerar a folha dos estados em valores significativos e acrescentar nova receita na economia dos mesmos”

Marcos Rogério, senador (DEM-RO)