O Globo, n. 32035, 22/04/2021, Economia, p. 22

 

LafargeHolcim, de cimento, vai deixar o Brasil

22/04/2021

 

 

Maior fabricante de cimento do mundo, o grupo franco-suíço LafargeHolcim se prepara para deixar o Brasil e espera vender seus ativos no país, que valeriam cerca de US$ 1,5 bilhão (o equivalente a R$ 8,35 bilhões), segundo informações da Bloomberg.

O grupo tem operações em nove estados (São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Goiás). Segundo o site da empresa, são dez unidades industriais e 1.400 funcionários .

José Carlos Martins, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), ficou surpreso com a saída da LafargeHolcim do Brasil:

—Eu realmente não consigo entender. Nunca o cimento vendeu tanto, nunca a expectativa futura de faturamento do setor foi tão boa.

Segundo a Bloomberg, a LafargeHolcim contratou o banco Itaú BBA para fazer o desinvestimento. Se for concretizada, a saída se junta a de outras multinacionais como Sony, Ford, LG e Mercedes-Benz, que anunciaram desinvestimentos no país recentemente.

O atual diretor-executivo global do grupo, Jan Jenisch, tema dotado uma estratégia de vender ativos para a redução dos níveis de endividamento da companhia, ainda de acordo com a agência de notícias. Desde 2018, a empresa vendeu uma série de ativos fora da Europa, como os localizados em Indonésia e Malásia.

Segundo Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, a estagnação econômica explica parte do movimento:

— Não dá para apostar no crescimento de longo prazo do Brasil. As empresas vão privilegiar locais com crescimento mais forte. As concessões têm acontecido com pouco crescimento de construção, com aeroportos prontos, sem um empuxo mais significativo para a construção pesada. O Brasil empobreceu e ficou caro.

A LafargeHolcim é uma das maiores fabricantes de cimento do país. A venda da operação para um concorrente poderia ter dificuldade de passar no Cade (órgão antitruste brasileiro), que já agiu no passado para evitar a concentração de mercado e cartéis no setor.

Esse é o temor de Otto Nagami, professor do Insper. Ele alerta para o aumento da concentração do setor com a saída da empresa do Brasil, o que poderia favorecer a formação de oligopólios. Ele cita o déficit público como outro fator a inibir a ação das empresas:

—Déficit compromete o investimento em infraestrutura.

Rafael Cagnin, economista do Instituto de Estudos de Desenvolvimento Industrial (Iedi), afirma que a construção pesada perdeu fôlego desde os escândalos de corrupção, o que pode ter influenciado:

—Por mais que tenha construção civil urbana, o eixo que mobilizaosetoréaconstrução pesada.Enãoteminvestimento público em infraestrutura.

Cagnin lembra que a desvalorização do real tira lucro em dólaroueurodascompanhias:

— Além disso, Estados Unidos, União Europeia, Reino Unido estão anunciando investimentos pesados em infraestrutura. É um momento estratégico de reposicionamento das empresas globais.

Segundo o Sindicato Nacional da Indústria do Cimento (Snic),omercadocresceu11% em 2020. A alta foi de 19% no primeiro trimestre deste ano frente ao início de 2020.

Claudio Frischtak, da Inter.BConsultoria,afirmaquea insegurança jurídica aumentounoBrasil,alémdainstabilidade econômica e política:

—Isso pode explicar a saída de um mercado do tamanho do Brasil, com excesso de demanda nos próximos 30 anos.

O GLOBO procurou dois diretores da LafargeHolcim, mas eles não se manifestaram.