O Globo, n. 32035, 22/04/2021, Mundo, p. 23

 

Especialistas contradizem Salles sobre desmatamento
Bruno Alfano
22/04/2021

 

 

 

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, chega à Cúpula de Líderes sobre o Clima argumentando que o Brasil não é o “vilão do planeta” porque é supostamente responsável por uma fatia pequena das emissões mundiais de gases causadores do efeito estufa. No entanto, o desmatamento contínuo da Amazônia — principal responsável no Brasil por essas emissões — é uma bomba em potencial e contribui de forma relevante para o aquecimento global, dizem especialistas. Eles explicam que a Floresta Amazônica retém nas árvores e no solo uma quantidade equivalente a todo o carbono emitido pelo planeta nos últimos dez anos.

O avanço do desmatamento, afirma Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, levará o bioma a um colapso e, assim, a área se tornará uma bomba de emissão de gases estufa.

—Nesse momento, ela liberará sozinha o carbono acumulado. E aí o Brasil passará a emitir 10%, 15%, 20% de todo o carbono mundial. Todo o esforço para deter o aquecimento global terá sido em vão.

No começo de abril, Salles afirmou que o país espera ajuda para “pagar uma conta que não é nossa”, referindo-se aos maiores emissores segundo números de 2018: China (26,1%); EUA (12,67%); os 27 países da União Europeia, que juntos representam 7,52%; Índia, com 7,08%; e Rússia, com 5,36%. O Brasil é o sexto maior emissor, com 3% do total.

Segundo Astrini, o desmatamento brasileiro gira em torno de 3% da floresta por ano. Em alguns anos, chegou a 2%. Em outros, subiu para 8%. Em sua avaliação, a participação brasileira na emissão de gases estufa deve crescer em 2020 devido à queda de emissão de outros países do mundo e ao aumento do desmatamento.

—Mas esse não é nem o caso. Primeiro que 3% é relevante. Essa história de irrelevância a gente já viu o que aconteceu quando o presidente chamou a Covid-19 de uma gripezinha. O fato é que as emissões do Brasil são extremamente perigosas, pois são decorrentes da destruição da Amazônia.

Na gestão de Salles, o desmatamento do bioma tem batido recordes históricos. E, segundo Márcio Astrini, pesquisas apontam que o momento do colapso da Amazônia não está muito distante. 

— Estudos do professor Carlos Nobre apontam que isso acontecerá quando o desmatamento atingir algum ponto entre 20% e 25%. Atualmente, já foi desmatado 20% do bioma. Ou seja, estamos à beira do precipício.

Paulo Moutinho, cofundador do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, diz que a taxa não isenta o Brasil.

— E daí que somos 3% das emissões globais? O maior prejudicado pelo desmatamento são os brasileiros, especialmente os da Amazônia. Ela é o sistema gigante de irrigamento do agronegócio do país, que responde por 20% do PIB. Se Salles e o governo não se importam  clima, vamos reduzir as emissões para salvar nossa galinha de ouro.