O Globo, n. 32035, 22/04/2021, Mundo, p. 26

 

Diálogo falha em aproximar Biden e Bolsonaro
Janaína Figueiredo
22/04/2021

 

 

 

Houve uma primeira aproximação e foi possível iniciar conversas sobre políticas de combate ao aquecimento global entre os governos Joe Biden e Jair Bolsonaro, mas EUA e Brasil chegam hoje em descompasso à Cúpula de Líderes sobre o Clima. Os compromissos assumidos até ago rapelo Brasil são considerados insuficientes, e qualquer ajuda econômica está condicionada a resultados rápidos, sobretudo na redução do desmatamento.

Nas palavras de Thomas Shannon, ex-subsecretário de Estado americano para o Hemisfério Ocidental e ex-embaixador no Brasil (20092013),“os EUA deixaram claro seu interesse em trabalhar como Brasil, agora abola está do lado dos brasileiros”.

— A recente visita do enviado climático do governo americano, John Kerry, à China mostra que Biden quer trabalhar com todos. Por que não com Bolsonaro? A predisposição existe, mas só ficará claro se isso será realmente possível depois da cúpula —afirma.

Os EUA, destaca o veterano diplomata americano ,“querem exibir compromissos ambiciosos, querem traçar resultados que possam ser alcançadoseque superemo Acordo de Paris ”. Apressãoé grandes obre todos os países que participam do encontro, e noca sodo

Brasil, opina Rogério Studart, ex-diretor do Brasil no Banco Mundial e no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), existem dúvidas sobre o real comprometimento do governo Bolsonaro.

—O governo americano está fazendo uma real transição para uma economia sem carbono com políticas de Estado, e hoje o Brasil não tem um plano de desenvolvimento sustentável — amplia Studart, que é economista associado ao World Resources Institute (WRI), centro de estudos sobre desenvolvimento sustentável de Washington.

TESOURO LANÇA PLANO

Ele destaca o lançamento nesta semana de uma estratégia sobre mudanças climáticas pelo Tesouro americano, que prevê, entre outras iniciativas, mobilizar fontes de financiamento para investimentos sustentáveis no país e no exterior. A novidade foi vista pelo especialista como a confirmação de que Biden está decidido a engajar todo o seu governo na cruzada por uma retomada verde da economia global.

Na cúpula de hoje e amanhã, a Casa Branca quer ter clareza sobre que governos estão dispostos a assumir compromissos ambiciosos, indo além das metas anunciadas sob o Acordo de Paris, e, em contrapartida, tornarem-se potenciais parceiros. Studart ressalta a expressão “mobilizar recursos” no comunicado do Tesouro americano, já que “não se trata apenas de financiar e sim de usar mecanismos disponíveis para ampliar recursos”.

No Brasil, o especialista vê movimentos positivos no Ministério da Economia e no Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), onde equipes já trabalham com conceitos de sustentabilidade, por exemplo, em áreas de infraestrutura. Não se trata de falta de técnicos capazes, diz, mas sim de falta de política de Estado, de rumo institucional.

—Falta uma visão de que esse é um caminho bom para o Brasil, que é inclusive um bom negócio. Primeiro de parte do Estado, do governo e agências econômicas. Depois surgem as parcerias com o setor privado —explica Studart.

Se o assunto fosse futebol, o Brasil teria um bom time, mas faltar iauma estratégia para ganhar o campeonato. Já ogo vernoBiden,d izo especialista, “está correndo, tem time, tem treinador e quer ser campeão”.

Em trabalho publicado no ano passado, o WRI estimou que, se o Brasil adotasse o desenvolvimento sustentável comopolítica de Estado, o PIB do país poderia crescer em US$ 500 bilhões até 2030. No mesmo período, poderiam ser criados mais de 2 milhões de empregos. Somente em investimentos para reflorestara Amazônia, os recursos que seriam injetados gerariam muitos postos de trabalho.

—O Brasil montou a agenda climática global desde os anos 1970, mas hoje o país transmite a imagem de estar à deriva. A esperança que existe é de que a cúpula faça o governo Bolsonaro acordar e perceber o quanto pode ficar isolado — afirma o especialista.

As conversas iniciadas há algumas semanas entre os governos Biden e Bolsonaro ocorrem num clima de cordialidade, segundo fontes de ambos os lados. Mas as divergências são evidentes e tornam inviável, em curto ou médio prazo, qualquer tipo de acordo de ajuda financeira, como pretende o Planalto. A demanda é mostrar um aqueda expressiva no desmatamento já em 2021. Por isso, só declarações de boas intenções não bastam.

— Hoje não vejo tensão, houve uma mudança de narrativa por parte do Brasil. Agora, oque realmente vais e rexe cuta doéoutrahis tóri a.Épre ciso anunciar uma política clara de combate aos atos ilícitos na Amazônia — afirma Rubens Barbosa, ex-embaixador brasileiro em Washington.

COBRANDO RESULTADOS

Para o diplomata, “dependendo das medidas que forem adotadas pelo Brasil e dos resultados obtidos, poderá eventualmente haver uma contrapartida americana”.

Até agora, os dois lados acreditam que o tom das conversas tem sido construtivo. Mas, do lado brasileiro, algumas fontes que acompanham de perto o embrionário diálogo admitem que a sensação que predomina emBr así liaéa de que, enquanto Bolso na roforp residente, pouco se avançará, pela má imagem do governo brasileiro. Nada acontecerá, certamente, enquanto o governo Bolsonaro não entregar resultados.