O Globo, n. 32036, 23/04/2021, País, p. 4

 

Com o crivo do plenário
André de Souza
Renata Mariz
23/04/2021

 

 

 

Sete dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) votaram ontem para manter a decisão da Segunda Turma da Corte que declarou o ex-juiz Sergio Moro parcial para julgar o ex-presidente Luiz Inácio Lula a Silva no processo do triplex do Guarujá (SP). O julgamento não terminou, mas já há maioria a favor do pedido da defesa. A sessão foi encerrada por decisão do presidente Luiz Fux, como forma de dar fim a um bateboca entres os ministros Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes. O STF também confirmou ontem que os processos contra Lula que estavam em Curitiba irão para a Justiça Federal de Brasília.

Até o fim do julgamento, que não tem previsão para ser retomado, os ministros podem mudar de voto, mas é improvável que haja uma alteração. Mantido o resultado, isso representará um revés na estratégia do ministro Edson Fachin, relator dos processos da Lava-Jato no STF. Em março, em decisão individual, ele anulou as decisões tomadas pela Justiça Federal de Curitiba em quatro processos envolvendo Lula, alegando que era atribuição da Justiça Federal de Brasília julgar as ações. Na mesma decisão, ele declarou a “perda de objeto” de outros questionamentos feitos pela defesa no STF contra Moro. Em outras palavras, Fachin entendeu que a Segunda Turma não deveria mais julgar a parcialidade de Moro alegada pela defesa de Lula.

NOVO FORO

A medida foi vista como uma forma de preservar a maior parte da Lava-Jato, para evitar o julgamento da suspeição de Moro no caso do triplex. Esse caso poderia abrir margem para que a conduta do ex-juiz fosse questionada em outros processos, levando à anulação de mais decisões da Lava-Jato. Mesmo com a decisão de Fachin, no entanto, a Segunda Turma concluiu o julgamento e, por três votos a dois, decidiu anular todo o processo do triplex por entender que Moro foi parcial. Esse julgamento foi confirmado pela maioria do plenário ontem.

Antes da votação sobre a manutenção da decisão da Segunda Turma, o plenário do STF concluiu ontem outra parte do julgamento. Na semana passada, por oito votos a três, já havia confirmado a determinação de Fachin de retirar as ações de Curitiba. Ontem, também confirmou que os processos irão para a Justiça Federal de Brasília. Seis ministros votaram assim, enquanto outros dois queriam a Justiça Federal de São Paulo c omo foro.

Primeiro a votar, Fachin reiterou que os outros pedidos da defesa, como o da suspeição de Moro, não precisariam ser mais julgados. Mas apenas Barroso o acompanhou.

Gilmar antecipou seu voto e foi o primeiro ministro a discordar, sendo acompanhado por outros seis: Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Rosa Weber. Gilmar avaliou que o julgamento da suspeição na Segunda Turma é mais amplo e não pode ser alterado pelo plenário.

—Achoqueébo me honesto lembrar que, em 2018, quando começou o julgamento [da suspeição de Moro na Segunda Turma ], votei para que o habeas corpus fosse afetado ao plenário. E por três votos a dois a turma deliberou para manter na turma. Portanto, veja, isso foi deliberado. Essa história toda ,“estátra zen dopara o plenário ”, não fica bem. Nãoé decente. Nãoé decente, não élegal,c omo dizemos jovens. Esse tipo de manobraéumj ogo de falsos espertos. Não é bom —disse Gilmar, acrescentando :— O plenário não pode tudo enã opo demudara decisão da Segunda Turma.

Ao fim da sessão, Gilmar e Barroso bateram boca. Gilmar questionou os procedimentos adotados para tentar reverter a decisão da Segunda Turma. Barroso reclamou de “grosseria” e manipulação.

— Talvez isso exista no Código do Russo. Aqui não — disse Gilmar, numa referência ao apelido dado a Moro pelos procuradores da Lava-Jato.

Barroso criticou o fato de Gilmar ter ficado dois anos sem devolver o caso para análise da Segunda Turma, só fazendo isso depois que Fachin anulou as decisões tomadas nos processos de Lula na Lava-Jato:

— Vossa Excelência sentou na vista (interrupção do julgamento da suspeição) durante dois anos e depois se acha no direito de ditar regra para os outros.

Gilmar ressaltou que o colega estava do lado derrotado no julgamento: —Vossa Excelência perdeu. Em nota após o fim da sessão, os advogados Cristiano Zanin Martins e Valeska Martins, que defendem Lula, afirmaram que a maioria formada no plenário “é uma vitória do Direito sobre o arbítrio”.

O FUTURO DOS PROCESSOS CONTRA O EX-PRESIDENTE

Para onde serão enviados os processos de Lula?

Para a Justiça do Distrito Federal. Outras duas possibilidades foram derrotadas: manter as ações no Paraná, como defenderam os ministros Kassio Nunes Marques, Marco Aurélio Mello e Luiz Fux; remeter os processos para São Paulo, tese endossada pelos ministros Alexandre de Moraes e Ricardo Lewandowski.

Quais processos serão enviados para o Distrito Federal? E por quê?

São quatro ações: a referente ao tríplex do Guarujá, a do sítio de Atibaia (SP) e duas envolvendo a sede do Instituto Lula e doações feitas à instituição. Foram invalidadas as condenações em primeira e segunda instâncias pelo tríplex e pelo sítio. O argumento para a mudança de foro é que não há conexão entre os casos de Lula e os desvios de recursos da Petrobras, investigados pela Lava-Jato do Paraná.

Quem será o novo juiz responsável pelas ações?

Elas serão distribuídas por sorteio automático na Justiça Federal do DF, onde há duas varas criminais especializadas em casos que envolvem o sistema financeiro, como suspeitas de lavagem de dinheiro e formação de organização criminosa. São elas a 10ª Vara Federal Criminal, cujo titular é o juiz Vallisney de Souza Oliveira, e a 12ª Vara Federal Criminal, do juiz Marcus Vinicius Reis Bastos. Ambas as varas já lidaram anteriormente com outros casos relativos a Lula.

A partir de que ponto os processos de Lula serão analisados no DF?

Foram tornados inválidos “apenas os atos decisórios” tomados nas quatro ações envolvendo Lula. Estão invalidadas, portanto, a apresentação e recebimento das denúncias e os julgamentos. Caberá à Justiça do DF decidir se convalida os atos de instrução processual feitos no Paraná, incluindo tomadas de depoimento e outras diligências para a produção de provas. Com a suspeição de Moro no caso do tríplex, a convalidação não será possível para os atos processuais determinados pelo magistrado no processo.

Qual passa a ser o estágio do caso do tríplex?

Começarão do zero os trâmites do processo que apura a acusação do Ministério Público Federal (MPF) sobre o apartamento reformado pela empreiteira OAS e supostamente repassado a Lula em forma de propina. A suspeição de Moro faz com que os atos dele, inclusive os que não tiveram caráter decisório, não possam mais ser confirmados pela Justiça Federal do DF. Depoimentos e provas, portanto, terão de ser refeitos.

O entendimento do STF sobre a suspeição de Moro no caso tríplex será definitivo?

Sim. A decisão da Segunda Turma sobre o caso já tinha validade antes da confirmação do plenário. O tema só foi rediscutido porque Fachin havia determinado a “perda do objeto” da suspeição quando declarou a 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba incompetente para julgar Lula. Para o magistrado, o STF não poderia avalizar a parcialidade de Moro se, originalmente, o juízo em que ele atuava sequer poderia ter acolhido denúncia e sentenciado o petista. O julgamento no plenário foi interrompido quando o placar estava 7 a 2, já com maioria formada.