O Globo, n. 32036, 23/04/2021, Economia, p. 19

 

Mais desigual e menos produtivo
Fernanda Trisotto
23/04/2021

 

 

 

O fechamento prolongado das escolas durante a pandemia trará impactos de longo prazo para a economia brasileira, com a redução da produtividade do trabalho e aumento da desigualdade, além de pressionar as finanças públicas. A avaliação é compartilhada entre especialistas em educação, organismos internacionais e o próprio governo. Na semana passada, o Fundo Monetário Internacional (FMI) divulgou estudo segundo o qual os jovens brasileiros terão, por causa do fechamento das escolas, uma queda de 8% em sua renda futura — o dobro do projetado para a região da América Latina e Caribe, de 4%.

Segundo especialistas, o governo federal deveria definir protocolos sanitários para o retorno das atividades escolares, além de abrir uma ampla discussão sobre como repor o conteúdo perdido, para reduzira evasão escolar e a perda de produtividade no mercado de trabalho.

O coordenador da Cátedra Ruth Cardoso no Insper, Menezes Filho, afirma que o fechamento prolongado será um desastre. Sem aprender, alunos deixarão a escola mais cedo, aumentando a evasão escolar. A redução dos anos de escolaridade impacta a inserção no mercado formal, porque, sem ensino médio completo, a chance de obter um trabalho com carteira assinada é menor. Isso reduz a produtividade e, consequentemente, o crescimento do país.

— E esses jovens todos viram “nem-nem” (nem estuda, nem trabalha). Grande parte deles vai ficar no setor informal, sem benefícios, e o governo terá de dar transferências e gastar com políticas sociais no futuro, e vai recolher menos impostos, porque eles não vão trabalhar no setor formal. É horrível não só para a sociedade, mas para as finanças públicas também —afirma Menezes Filho.

Maria Helena da Silva, de 16 anos, sempre estudou em escolas públicas do Rio. No ano passado, ela ficou sem aulas presenciais ou remotas e recebeu poucos materiais de estudo. A jovem, que sonha cursar Psicologia, teme pelo seu futuro:

— Não fiz o 9º ano de maneira normal, então muitas coisas não consegui aprender. Acredito que quando chegar lá na frente, pode faltar conhecimento para mim.

Ainda em 2020, os economistas Ricardo Paes de Barros e Laura Müller Machado estimaram o custo futuro de não compensar as aulas e deixar que os jovens entrarem no mercado de trabalho na idade regular, ou recomeçar o ano escolar do zero e adiar o início da vida laboral. A segunda opção causa menos perdas à economia.

Nas contas da dupla, a perda de renda de alunos da edução básica com entrada no mercado de trabalho mantida e perda de um ano letivo seria equivalente a 23% do PIB, ou R$ 1,483 trilhão. Caso esse ano letivo fosse reposto, adiando o início da vida laboral, essa perda cairia para 5,3% do PIB, ou R$ 350 bilhões.

Para Menezes Filho, a forma mais eficaz de evitar esses custos é ampliar o gasto público em educação agora. Sua sugestão, que ele admite ser ousada, é que os estudantes cursem dois anos ao mesmo tempo: em um turno, as aulas do ano em que estariam matriculados, e em outro, um reforço com o conteúdo do ano perdido na pandemia.

— Se você puser na ponta do lápis, vale muito mais a pena dobrar a carga horária dos alunos em pelo menos um semestre agora do que incorrer em todos esses riscos no futuro —argumenta.

EFEITOS PODEM IR ATÉ 2038

O governo reconhece o risco econômico. “Escolas fechadas hoje causam um país mais pobre amanhã. E esse amanhã deve perdurar por quase duas décadas”, alerta o Boletim Macro Fiscal do mês de março, da Secretaria de Política Econômica (SPE), do Ministério da Economia. “Esse efeito deve durar por aproximadamente 15 anos após o término da pandemia, possivelmente até 2038, até que todo esse corte da população que está sofrendo hoje com a paralisação das aulas entre no mercado de trabalho.”

O assessor especial da SPE Rodrigo Mendes Pereira destacou na épocaque os principais efeitos serão a queda no PIB, a redução da produtividade e o aumento da desigualdade social, porque o impacto da pandemia na educação não é homogêneo:

— Há uma correlação forte entre renda familiar e a existência de condições materiais para a aula remota. Você precisa ter internet, computador, celular, um ambiente adequado. É perfeitamente razoável supor que o prejuízo será maior para as crianças mais pobres. Se projetar no longo prazo, a expectativa é que isso se reflita em maior desigualdade de renda.

Para Menezes Filho, o governo poderia ter atuado de forma mais eficiente, estabelecendo diretrizes sobre quantidade de alunos por sala, ventilação de ambientes e avaliação das condições para retomar as aulas:

— Grande parte das redes municipais é muito pequena e não tem capacidade de gestão para organizar protocolos, busca ativa de alunos. O governo federal poderia ter entrado com essas prescrições.