Título: A letargia dos liberais brasileiros
Autor: Ubiratan Iorio
Fonte: Jornal do Brasil, 07/03/2005, Outras Opiniões, p. A11

Nossas instituições democráticas são tão incipientes e, por isso, tênues, o que nos permite afirmar não existir nenhum partido que represente as idéias liberais no Brasil. Nas últimas eleições presidenciais, em 2002, havia seis candidatos, todos de esquerda, desde a mais rupestre - aquela que ensina que não se vota em patrões - até a mais domesticada, representada pelos tucanos. Isto pode ser explicado, em parte, pelo eficiente patrulhamento ideológico exercido pelas chamadas esquerdas, na tradição de Antonio Gramsci, que faz com que tanto os que se alinham com as idéias da direita nacionalista quanto os que defendem o liberalismo, por acabrunhamento, falta de interesse ou de coragem, sintam-se constrangidos de expor-se à execração pública. O PFL, que poderia amealhar alguns quadros liberais e partir para uma luta política digna, primeiro preferiu compor com os governos anteriores e atualmente exerce uma oposição frouxa, desencontrada e dividida, deixando passar uma excelente oportunidade - dada a notória incompetência do atual governo - de firmar-se definitivamente como o partido que poderia fazer frente à esquerdopatia crônica que assola o quadro político nacional.

Podemos dizer que, em meio ao caos partidário existente, há dois tipos de partidos no Brasil: os de esquerda e os fisiológicos, aqueles que, como cortiça, flutuam em qualquer líquido. Fala-se que, em 2006, o grande embate será entre o atual presidente e o candidato do PSDB, ou seja, entre dois candidatos de esquerda. Os mais radicais tentam, inteligentemente, qualificar o PSDB como um partido ''neoliberal'' e acusar o próprio PT de, uma vez instalado no governo, ter aderido ao ''consenso de Washington''. É a velha tática gramsciana de forjar uma divisão entre os que seguem a seita esquerdista, para iludir os que não enxergam mais de um palmo diante do nariz. Chegam a formar dissidências, como esse P-Sol, algo como um sujeito que, em um Fla-Flu, consegue torcer ao mesmo tempo pelo Fluminense e pelo Flamengo, pois reúne em sua sigla dois estandartes contraditórios, o da liberdade e o do socialismo...

A letargia liberal, politicamente falando, é tão grande que muitos se perguntam: onde estão os liberais brasileiros, se é que existem? Bem, existir eles existem, mas muitos estão ganhando muito bem, transformaram-se em empresários, banqueiros e donos de faculdades e perderam naturalmente o interesse pelas coisas da política, pouco se lhes importando que o barco Brasil esteja afundando; outros pertencem até a partidos políticos, mas, por isto mesmo, acabam diluídos em meio ao fisiologismo que campeia. Por fim, alguns, nos meios universitários, enfrentando um ambiente claramente hostil por parte de muitos colegas - embora na maioria das vezes com o apoio da maioria dos alunos - continuam lutando para ensinar a juventude a livrar-se das falácias e chavões da esquerda e aprender a lógica dos argumentos. Mas são poucos.

Quem perde com essa letargia é o país, porque, não existindo representatividade dos liberais no Congresso, a democracia fica capenga (como ficaria também caso a esquerda não tivesse representatividade). Se queremos de fato consolidar a nossa democracia, temos que pensar seriamente em uma reforma política como pré-condição para todas as outras reformas, que estabeleça que os partidos devem ser programáticos, que imponha a fidelidade partidária e que busque a representatividade de todas as correntes de pensamento político e econômico, para que o eleitor brasileiro - este eterno enganado! - passe finalmente a votar em idéias e não apenas em pessoas. E os liberais brasileiros, antes que seja tarde demais, precisam perder a vergonha, ou abdicar de algumas comodidades, ou encher-se de coragem, para que o país possa ter alternativas à esquerdopatia dominante.