O Estado de São Paulo, n. 46485, 24/01/2021. Política, p. A4

 

Impeachment e economia pautam agenda pós-eleição

Vinícius Valfré

24/01/2021

 

 

Congresso. Novos presidentes da Câmara e do Senado terão de analisar temas de impacto no governo, como um novo auxílio emergencial e pedidos de impedimento de Jair Bolsonaro

Rivais. Lira e Baleia protagonizam disputa na Câmara; em prévia do pós-eleição, Casa discute instalar uma CPI da Saúde

Os novos presidentes da Câmara e do Senado vão encontrar no início dos mandatos, em fevereiro, matérias de impacto direto na economia e no destino do governo de Jair Bolsonaro. Entre os deputados, a disputa envolvendo Arthur Lira (Progressistas-AL), candidato do Palácio do Planalto, e Baleia Rossi (MDB-SP) definirá a proposta de novo auxílio emergencial, defendida por governistas e opositores, e o avanço ou arquivamento de 56 pedidos ativos de impeachment do presidente da República.

As mortes de pacientes da covid-19 no Amazonas e no Pará por falta de oxigênio pôs combustão no debate sobre a possibilidade de um terceiro impeachment (mais informações na pág. A8) no atual período democrático – Fernando Collor e Dilma Rousseff caíram em 1992 e 2016, respectivamente, após enfrentarem processos. O Planalto não quis pagar para ver. Na ofensiva para emplacar Lira no comando da Casa e Rodrigo Pacheco (DEM-MG) no Senado, o governo colocou a articulação política em campo com a oferta de cargos e recursos e tem demitido indicados por quem não demonstra apoio.

Numa possível prévia do jogo da cassação, a Câmara começou a discutir uma CPI da Saúde para investigar as falhas de logística na distribuição de testes e vacinas por parte do ministro Eduardo Pazuello. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que evitou abertura de processo contra Bolsonaro nos últimos dois anos, considera "inevitável" instalar a comissão.

Na última semana, o deputado Raul Henry (MDB-PE) saiu em busca de assinaturas para a CPI. Os movimentos do partido dele são monitorados pelo Palácio. "Para pedir CPI é preciso um fato específico. Coloquei os fatos de Manaus, do colapso na Saúde apesar dos avisos prévios, mas claro que, se o presidente da Câmara se dispuser a instalar, ela (a comissão) pode ampliar os campos de investigação", disse Henry. Ele evita críticas diretas a Bolsonaro, mas deixa claro que a agenda do impeachment não pode ser "descartada", desde que haja "evolução dos fatos".

Há, ainda, a iniciativa do líder da Rede no Senado, Randolfe Rodrigues (AP) e do líder do PSB na Câmara, Alessandro Molon (RJ), para uma comissão mista, que reuniria deputados e senadores. Caso eles consigam as assinaturas suficientes, as investigações só começam com o aval dos presidentes das respectivas Casas. Para Molon, Bolsonaro só entrou "com tudo" na campanha de Lira para "barrar qualquer processo de impeachment. "Quanto ao Baleia, não há qualquer compromisso para que um processo de impeachment avance, mas a independência dele será fundamental para uma análise imparcial dos pedidos."

Impedimento. A lista de pedidos de afastamento de Bolsonaro deve aumentar. Na terça-feira, partidos como PT, PDT, PSB, Rede, PCdoB e agora o PSOL, vão apresentar pedidos de impedimento sob argumento de crime na condução do combate à covid-19. Dos 61 pedidos protocolados desde o início do mandato do presidente, um não foi acolhido e quatro foram rejeitados por falhas nas apresentações. Restam 56 ativos.

É o presidente da Câmara quem analisa os requisitos legais para iniciar a abertura de um impeachment. Se ele considerar que há fato determinado, o pedido é lido pelo primeiro-secretário em plenário e, a partir daí, é formada uma comissão especial de 66 deputados.

No MDB, um eventual afastamento de Bolsonaro não é promessa de campanha de Baleia Rossi, mas o candidato atraiu a oposição com o compromisso de "analisar" os pedidos até agora engavetados por Rodrigo Maia. O emedebista mantém a possibilidade em aberto no momento em que crescem pressões dentro e fora do Legislativo para que o tema venha à pauta.

Ao longo da semana passada, ele e a colega de partido Simone Tebet (MS), candidata à presidência do Senado, subiram o tom. Na terça-feira, a senadora disse que "arroubos autoritários e machistas" de Bolsonaro toda vez que "abre a boca" reforçam suas campanhas. Ela é menos reticente ao tratar do impeachment. "Eu já participei de processo de impeachment. Foram oito meses de paralisação. Posso dizer com tranquilidade que são incompatíveis", disse a rádios de Campo Grande na última sexta-feira, referindo-se também a combate à covid-19 e à agenda econômica.

A aposta dos aliados de Baleia é que a tese da independência do Congresso pode render resultados. "Não só conquistamos uma independência em relação ao Executivo, mas também um protagonismo que tem sido importante para manutenção do equilíbrio institucional e econômico", afirmou Rodrigo de Castro, que assume a liderança do PSDB em fevereiro. "Na medida em que você tem uma Câmara independente e um governo fraco, o governo se torna mais dependente dos deputados."

Para aderir à candidatura de Baleia, partidos de oposição exigiram que ele não abrisse mão de "instrumentos constitucionais para assegurar o respeito à Constituição". "Hoje, o clima do impeachment mostra que existe um clima anti-bolsonaro grande na sociedade e no parlamento", disse o líder do PT, Enio Verri (PR).

Do lado de Lira, oficialmente predomina a tese de que o País precisa de chefes no Legislativo experientes, capaz de oferecer estabilidade neste contexto de crises. "O deputado Arthur ajuda o Brasil, jamais com subserviência ao Executivo ao à condução do Rodrigo Maia. Não é do perfil dele ser dessa forma", rebateu Fred Costa (MG), líder do Patriota, primeiro partido a entregar apoio da bancada ao parlamentar alagoano. / COLABOROU CAMILA TURTELLI 

'Independência'

"Quanto ao Baleia (Rossi), não há qualquer compromisso para que um processo de impeachment avance, mas a independência dele será fundamental para uma análise imparcial dos pedidos."

Alessandro Molon

DEPUTADO FEDERAL E LÍDER DO PSB NA CÂMARA DOS DEPUTADOS