O Globo, n. 32038, 25/04/2021, Mundo, p. 46

 

Entrevista - Daniel Wilkinson: “planalto precisa dialogar com seus críticos”
Daniel Wilkinson
Janaína Figueiredo
25/04/2021

 

 

 

Na Cúpula de Líderes sobre o Clima, o presidente Jair Bolsonaro ofereceu ao mundo “sobras de governos anteriores”, gesto insuficiente para deixar de ser o líder com menor credibilidade no grupo de 40 convidados pelo presidente americano, Joe Biden. Essa é a avaliação de Daniel Wilkinson, diretor da Divisão de Meio Ambiente da organização Human Rights Watch (HRW), que, como muitos, considera que o Brasil deve fazer mais. Wilkinson afirma que “se o governo Bolsonaro quer ser levado a sério em Washington como parceiro nas áreas de em clima e meio ambiente, deve começar a dialogar seriamente com seus críticos na sociedade civil, com as comunidades indígenas e com o setor privado”, além de adotar medidas como a cobrança de multas ambientais.

Qual a sua opinião sobre o discurso do Bolsonaro na cúpula?

Bom, pelo menos o tom do discurso melhorou em relação ao discurso raivoso na ONU nos últimos dois anos. Ele insistiu no compromisso de eliminar o desmatamento ilegal, considero isso um sinal positivo de que a pressão internacional e a pressão interna no Brasil estão começando a ter algum impacto. Mas isso é, infelizmente, o melhor que se pode dizer. O objetivo da cúpula era que os governos assumissem compromissos mais ambiciosos para enfrentar a mais urgente crise da nossa geração. Mas o governo Bolsonaro parece pensar que pode impressionar o mundo ao reiterar velhos compromissos, como a meta de eliminar o desmatamento ilegal até 2030. É quase como requentar as sobras de governos anteriores, colocá-las sobre a mesa e dizer: “bon apetit!” O presidente falou em duplicar os recursos destinados às ações de fiscalização. Mas é difícil entendermos sem mais detalhes. Não há dúvida de que é melhor que o presidente do Brasil ao menos saiba que precisa começar a falar sobre o clima. A grande dúvida que permanece para todos é se e quando ele realmente dará passos adiante.

 

Existem possibilidades de que o Brasil consiga apoio financeiro de governos estrangeiros e melhore o diálogo com o governo Biden?

Há um desejo genuíno em Washington e em outras capitais de apoiar os esforços no Brasil para combater o desmatamento. Mas estes esforços precisam ser sérios. Ninguém quer jogar dinheiro fora.

E quanto aos esforços para melhorar o diálogo com Washington?

Aqui vão dois conselhos para o governo Bolsonaro: o primeiro é que deveriam começar a falar não somente com membros do governo Biden, mas também com integrantes do Congresso dos Estados Unidos — começando pelos 15 senadores democratas que escreveram a Biden na semana passada expressando sérias preocupações com a gestão de Bolsonaro da crise na Amazônia. Agora, se as autoridades brasileiras fizerem esse contato, a primeira pergunta que provavelmente será feita é se começaram a dialogar com a sociedade civil brasileira e lideranças indígenas. E como sabem que a resposta é “não”, eles provavelmente diriam “volte quando tiverem começado este diálogo”. Essa é a primeira preocupação que levantam — como o governo Bolsonaro prejudicou o trabalho de seus agentes ambientais, enfraqueceu as proteções para as comunidades indígenas e intimidou e buscou marginalizar os ambientalistas brasileiros. Se o governo Bolsonaro quer ser levado a sério em Washington como parceiro em clima e meio ambiente, deve começar a dialogar seriamente com seus críticos na sociedade civil, com as comunidades indígenas e com o setor privado, que querem ver melhores políticas sendo implementadas na Amazônia.

 

A comunidade internacional acredita no presidente brasileiro?

O presidente Bolsonaro tem pouquíssima credibilidade em questões ambientais. Não houve nenhum chefe de Estado na reunião que tivesse menos credibilidade do que ele. Mas, dito isso, acho que muitas pessoas na comunidade internacional podem ter se sentido encorajadas com a mudança no tom e com a possibilidade de que Bolsonaro comece a ouvir os muitos brasileiros — incluindo alguns dentro de seu governo — que entendem que é do interesse do Brasil proteger a floresta. Ou pelo menos ele começará a escutar os que entendem que não protegê-la pode ter consequências graves, incluindo custar ao país um acordo comercial com a União Europeia ou a adesão à OCDE.

 

A confirmação de que Ricardo Salles continua como ministro do Meio Ambiente é um obstáculo para futuras negociações?

O ministro Ricardo Salles pode ser um orador eloquente, mas seu histórico fala muito mais alto do que suas palavras. E, a esta altura, todo mundo conhece seu histórico. Eles sabem como seu ministério enfraqueceu a aplicação das leis ambientais do Brasil e permitiu que as taxas de desmatamento atingissem o nível mais alto em mais de uma década. Com este histórico, pedir a outros países que paguem ao Brasil para que garanta o cumprimento das suas leis ambientais, acho que constrange o país. Se o ministro e seu governo querem persuadir a comunidade internacional de que levam a sério o combate ao desmatamento, há muitas medidas que poderiam tomar com os recursos de que já dispõem, seja para lidar com o acúmulo de multas ambientais não pagas, reconhecendo a autoridade dos agentes ambientais para destruir equipamento utilizado para garimpo e extração ilegal de madeira, ou retirando o apoio a propostas legislativas que permitiriam mineração em territórios indígenas e que facilitariam a grilagem e o desmatamento ilegal.

 

Biden disse na sexta que a cúpula representa um progresso. O senhor concorda com essa avaliação?

A reunião de tantos líderes mundiais para discutir as mudanças climáticas foi uma conquista importante. A crise climática foi, em grande parte, esquecida por causa da pandemia, mas é claro que não foi embora, apenas piorou. E com o tempo se esgotando para evitarmos suas consequências mais catastróficas, era muito importante tentar focar a atenção do mundo novamente no que precisa ser feito. Claro, o que é preciso é mais do que conversa e compromissos. O que é necessário é ação. Esperamos que o encontro cumpra seu propósito de restaurar e intensificar o ímpeto que existia antes da pandemia, antes que seja tarde demais.