O Globo, n. 32039, 26/04/2021, Economia, p. 17

 

Aliança de olho no leilão
Ivan Martinez-Vargas
26/04/2021

 

 

 

O leilão de privatização da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae), agendado para esta sexta-feira, na B3, em São Paulo, vai atrair os principais operadores de saneamento do país. A tendência, segundo advogados e executivos ouvidos pelo GLOBO, é que as empresas formem consórcios com fundos de investimento para viabilizar suas ofertas, uma vez que os valores mínimos exigidos pelo governo estadual para que as concessões sejam repassadas à iniciativa privada (outorga) ficaram bem altos.

BRK, Aegea, Águas do Brasil, Iguá e Sabesp estão entre as empresas de saneamento que avaliam apresentar ofertas por ao menos um dos quatro blocos que serão leiloados. A holandesa Arcadis também é citada por agentes de mercado como interessada.

A Sabesp, empresa de economia mista controlada pelo governo de São Paulo, poderá vir ao leilão associada a outra empresa do setor, segundo uma pessoa familiarizada com o projeto. Há conversas adiantadas coma Iguá, segundo advogados. O maior interesse da estatal paulista é pelo bloco que inclui Barra da Tijuca e Jacarepaguá. Procuradas, Sabesp e Iguá não quiseram comentar.

Ao todo, 12 empresas agendaram visitas técnicas durante a licitação, o que denota algum tipo de interesse pela concessão: Aegea, Biancade Engenharia Ltda., BRK, Conen Engenharia, Dimensional Engenharia, Encibra S.A. Estudos e Projetos de Engenharia, Equatorial Energia S.A., GS Inima, Hidrocon Engenharia Ltda., Iguá, Sam Ambiental e Engenharia e Águas do Brasil.

—A modelagem do projeto, feita pelo BNDES, é análoga à de Alagoas, que já foi atrativa naquela ocasião. O projeto é manter a companhia estadual como produtor ade água e delegara distribuição de água e esgoto, é um desenho bastante interessante — afirma Rogério Tavares, vice-presidente da Aegea.

O Consórcio BRK Ambiental, que tem entre os investidores a canadense Brookfield, foi o vencedor do leilão de Alagoas, realizado no fim de setembro de 2020, com oferta de outorga de cerca de R$ 2 bilhões ante valor mínimo da disputa de R$ 15,1 milhões.

A Cedae passará por uma reestruturação que deverá reduzir seu quadro de funcionários após o leilão, segundo o secretário da Casa Civil do Rio de Janeiro, Nicola Miccione. Ele afirma, também, que o governo deverá investir o valora ser arrecadado comas outorgas em projetos de infraestrutura no estado. Dos R $10,6 bilhões de outorga mínima exigidos ,80% vão fi carcomo Estado. Dos eventuais ágios, metade será destinada aos cofres públicos estaduais.

NOVOS ‘PLAYERS’

Na semana passada, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, determinou que o prazo de concessão da Cedae seja fixado em 35 anos, como prevê o edital de licitação. O ministro suspendeu uma liminar da Justiça do Rio que inviabilizaria o leilão da empresa, sob o argumento de que uma lei estadual só permitiria que a companhia fosse concedida pelo prazo máximo de 25 anos.

O edital de concessão da Cedae prevê a formação de consórcios sem a necessidade de ter uma empresa de saneamento com sócia do grupo. Caso saia vencedor, o conjunto de investidores terá a obrigação de contratar os serviços de uma empresa com experiência comprovada no setor.

Essa possibilidade fez com que o leilão entrasse no radar até da CCR, que tem forte atuação em rodovias e aeroportos, segundo uma fonte do segmento. Procurada, a CCR afirmou que está avaliando as oportunidades, masque aprioridade da empresa são as concessões nos ramos em que já opera.

Miccione acredita que o desenho da licitação, feito pelo BNDES, conseguiu aumentara competição pelos blocos e permitirá a formação de novas empresas no setor de saneamento.

— A modelagem construída prevê grupos operadores e grupos financeiros, para permitir maior competição( pelo sativos ), e também que grupos que não atuem no mercado possam participar da licitação. Isso permitirá que o mercado brasileiro tenha novos players em blocos futuros em outras regiões —diz ele.

O advogado Frederico Dieterich, que assessora operadores de saneamento, vê como mais provável a formação de consórcios com instituições financeiras e operadores tradicionais:

— Há uma aglutinação de grupos financeiros com operadores de saneamento já estabelecidos. A tendência é que tenhamos fundos se juntando a empresas de saneamento tradicionais devido à grande abrangência geográfica e à complexidade jurídica do leilão. Gestores financeiros sozinhos correm mais riscos.

Percy Soares Neto, da Abcon (associação que reúne as empresas privadas de saneamento), também vê como pouco provável que um consórcio sem operadores tradicionais se apresente.

—Sempre defendemos junto ao BNDES que daria uma segurança maior ao leilão a exigência de que os consórcios proponentes tivessem ao menos um operador, mesmo que em posição minoritária, mas nossa tese não foi vencedora. De qualquer modo, acho pouco provável haver um consórcio sem operador, porque a operação tem riscos.

PRIORIDADE À LIQUIDEZ

O controle territorial de regiões por facções criminosas ou milícias é considerado por Soares Neto um fator de risco e um desafio a ser enfrentado pelos operadores vencedores.

Para o advogado Guilherme Amorim, sócio do escritório Rubens Naves, a licitação priorizou a competitividade e, consequentemente, maximizou a chance de lances com outorgas elevadas em um momento de crise fiscal aguda no Estado do Rio, mas diz que o modelo nãoéo melhor:

— A mera possibilidade de que a concessão da companhia aconteças ema presença de um operador qualificado significa abrir mão da qualificação técnica em nome da liquidez. O ideal é que as duas coisas caminhem juntas.

PERFIS DIFERENTES

Os quatro blocos que serão ofertados têm perfis diferentes e despertam níveis de interesse distintos. O mais disputado deverá ser o Bloco 1, que inclui a Zona Sul do Rio e mais 18 municípios. A outorga mínima, de R$ 4 bilhões, é também a maior exigida entre os ativos do certame.

O Bloco 2 inclui Barra da Tijuca, Jacarepaguá e as cidades de Miguel Pereira e Paty do Alferes, e também é considerado atrativo por motivos similares, com a vantagem de que os municípios que fazem parte do bloco são vizinhos, diferentemente dos do Bloco 1. A outorga mínima exigida é de R$ 3,17 bilhões.

—O Bloco 1 tem alguns municípios isolados, que prejudicam o ganho de escala da operação. O ideal é ter municípios vizinhos nos blocos, para que eles possam compartilhar as estruturas de água e esgoto —comenta Amorim.

O Bloco 3, formado pela Zona Oeste e seis municípios, é o que exige a menor outorga mínima, de R$ 908 milhões. Já há uma concessão apenas para serviços de esgoto em operação na região. A concessionária é controlada por BRK e Águas do Brasil, que são tidas como favoritas nessa disputa.

O Bloco 4 inclui as regiões Centro e Norte do Rio e mais oito cidades com alta densidade demográfica, como Nova Iguaçu, Belford Roxo, Duque de Caxias e Nilópolis. A outorga mínima é de R$ 2,5 bilhões.

— É uma composição bastante populosa, que deve despertar a intenção dos proponentes no sentido de expandir a base de consumo, mais do que expandir a rede em si. Ali deve existir um escape de água mais elevado, por exemplo, e reduzir essa perda permite ganhos financeiros relevantes —diz Amorim.

O ponto mais frágil da licitação, segundo o advogado Wladimir Antonio Ribeiro, especialista em saneamento, é a falta de uma definição mais técnica sobre os reajustes das tarifas:

—Os vencedores vão depender muito do regulador estadual, que não tem critérios bem estabelecidos sobre isso.