O Globo, n. 32041, 28/04/2021, País, p. 4

 

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Julia Lindner
Paulo Cappelli
28/04/2021

 

 

 

Oficializado como relator da CPI da Covid, o senador Renan Calheiros (MDBAL) deixou claro em seu discurso e no seu plano de trabalho o tom de sua atuação. Temido pelo governo, o emedebista propôs a convocação do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e de seus três antecessores na gestão Bolsonaro, e a requisição de informações sobre a compra de vacinas, distribuição de medicamentos sem eficácia comprovada, pedidos de auxílio de autoridades de Manaus antes do colapso do sistema de saúde em janeiro. Ele também quer o compartilhamento do inquérito das fake news no Supremo Tribunal Federal( STF ), que tem bolso na ris tasco mo alvos. Renan afirmou  que atarefada CPI é buscar os responsáveis pelo elevado número de mortes no país.

— Há responsáveis, há culpados, por ação, omissão, desídia ou incompetência e eles serão responsabilizados. Essa será a resposta para nos reconectarmos como planeta. Os crimes contra humanidade não prescrevem jamais e são transnacionais — disse Renan, em seu discurso.

A sessão de instalação da CPI deixou clara a minoria governista no colegiado. Parlamentares aliados ao Palácio do Planalto defenderam que Renan não poderia ser relator pelo fato de seu filho ser governador de Alagoas. Os repasses federais a estados são um dos focos da investigação. Cobravam também que fosse cumprida uma liminar de um juiz de primeira instância que impedia o emedebista de ocupar o cargo— decisão derrubada pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) durante a sessão.

Prevaleceu, porém, o acordo construído pela maioria, formada por senadores oposicionistas e independentes, coma eleição de Omar Aziz (PSD-AM) para a presidência da CPI e Randolfe Rodrigues (Rede-AP) para a vice, com a consequente indicação de Renan p ara a relatoria.

Em seu discurso inicial, o emedebista afirmou que a comissão será “um santuário da ciência, do conhecimento e uma antítese diária e estridente ao obscurantismo negacionista e sepulcral, responsável por uma desoladora necrópole”. Prometeu atuar com isenção e imparcialidade, mas criticou a indicação de militares para o Ministério da Saúde —o general Eduardo Pazuello chefiou a pasta por quase um ano.

Renan pediu sugestões aos colegas até hoje para a elaboração do plano de trabalho, mas já divulgou uma lista com 11 pontos que considera necessários para a investigação. O primeiro é a requisição do inteiro teor dos processos administrativos relacionados à compra de vacinas e insumos.

Na lista está a solicitação de todos os atos do governo federal sobre o enfrentamento à pandemia, registros sobre ações ligadas à promoção e distribuição de medicamentos sem eficácia comprovada, dados sobre as campanhas de comunicação do governo e informações sobre os critérios para repasses de recursos e os convênios celebrados.

No caso de Manaus, cujo colapso do sistema de saúde em janeiro com mortes por falta de oxigênio hospitalar foi o motivo inicial da CPI, o pedido é para que as autoridades locais informem sobre os pedidos feitos ao governo federal e o que foi efetivamente recebido.

A proposta do relator inclui pedir o compartilhamento do inquérito do STF sobre fake news. Segundo auxiliares de Renan, isso poderia elucidar se houve, por parte de pessoas ligadas ao governo, apoio financeiro para estimular o uso de remédios não comprovados cientificamente no tratamento da Covid-19. Ele também quer acesso ao material da CPMI das Fake News, suspensa desde o início da pandemia.

O relator sugere também convocar todos os ministros da Saúde durante a pandemia: Queiroga, Pazuello, Nelson Teich e Luiz Henrique Mandetta, que deve ser o primeiro a ser ouvido, já na próxima terça-feira. 

GABINETE DO ÓDIO

Os parlamentares já começaram a apresentar requerimentos. Como revelou a colunista Bela Megale, a oposição quer convocar os assessores da presidência da República Tércio Arnaud Tomaz, José Matheus Salles Gomes e Mateus Matos Diniz, integrante do chamado “gabinete do ódio”, sendo responsáveis pela mobilização de bolsonaristas nas redes sociais. Também está na lista, como informou o colunista Lauro Jardim, o marqueteiro Markinhos Show, que foi responsável pela comunicação da pasta da Saúde na gestão Pazuello.

Presidente da CPI, Omar Aziz, disse que pretende trabalhar para evitar que o colegiado seja contaminado por uma politização dos debates.