O Globo, n. 32041, 28/04/2021, Sociedade, p. 14

 

Cientistas defendem decisão da Anvisa sobre russos
Rafael Garcia
28/04/2021

 

 

 

A decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de vetar o pedido de importação da vacina contra a Covid-19 Sputnik V, da Rússia, por falta de informações de segurança, recebeu apoio de cientistas brasileiros e instituições importantes da área.

Após o órgão regulatório negar a autorização, o parecer foi criticado pelo governo russo e por governos estaduais que tentam trazer doses do imunizante para o Brasil, mas cientistas procurados pela reportagem afirmam que o parecer da agência tem o arcabouço técnico necessário para justificar a decisão.

— A gente tem que respeitar o que a Anvisa está colocando. Se não respeitarmos, vai por água abaixo toda a confiança que podemos ter tanto na instituição quanto nos próprios produtos que venham a ser utilizados no país —diz o pediatra e intensivista Juarez Cunha, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).

Cunha reconhece que a notícia é uma decepção, porque significa ainda mais atraso na ampliação da campanha de vacinação contra a Covid-19, mas ressalta o fato de que não é só o Brasil que está tendo problemas com a falta de transparência no relacionamento com o Instituto Gamaleya, a entidade russa que desenvolveu a Sputnik V.

—México e Argentina autorizaram, mas os órgãos reguladores que têm mais tradição nisso não aprovaram. A própria Organização Mundial da Saúde está tendo dificuldade em ter acesso a todos os processos da vacina —afirma.

O epidemiologista Wanderson Oliveira, ex-chefe da Secretaria de Vigilância em Saúde do Brasil, também defendeu a recusa da importação neste momento.

— Confio na isenção técnica da Anvisa. A cobrança deve ser direcionada ao Gamaleya. Basta entregarem a documentação e permitirem a visita técnica que é praxe dos procedimentos da agência há anos —afirmou.

Segundo Oliveira, uma opção é entrar em contato com outras agências regulatórias no mundo para obter informações de segunda mão. Segundo ele, a Anvisa já teria tentado o PICS(Pharmaceutical Inspection Cooperation Scheme ), pool de agências regulatórias do qual o Brasil faz parte, e contatado 58 países que estão usando a vacina. Mas o retorno foi superficial.

Cunha diz que a recusa não impede a continuidade das conversas. A própria Anvisa diz que permanece em contato coma contraparte russa.

A decisão também é defendida pela microbiologista Natalia Pasternak, presidente do Instituto Questão de Ciência e colunista do GLOBO:

—Agente não pode correr o risco de perder credibilidade em vacinas como um todo, caso algum incidente aconteça com essa vacina.

Apresentação da agência compartilhada pelo epidemiologista Paulo Lotufo, professor da USP, questiona critérios de acompanhamento pouco claros nos estudos da vacina.

O documento indica que as omissões são preocupantes porque alguns pontos do funcionamento da Sputnik V não estão bem claros. Não se sabe o quanto o adenovírus usado como base da vacina se instala no corpo humano e se ele pode ser transmitido. Dados de farmaco vigilância sobre ocorrência de eventos adversos também não estariam completos. “Parem de xingara Anvisa e respondam a essas perguntas”, disse o professor, em postagem nas redes sociais.