O Globo, n. 32042, 29/04/2021, Economia, p. 21

 

STF defende Censo
André de Souza
Geralda Doca
Manoel Ventura
Carolina Nalin
29/04/2021

 

 

 

Em uma decisão que colocou os Poderes Executivo e Judiciário mais uma vez em lados opostos, o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou ontem que o governo federal realize o Censo Demográfico neste ano. O levantamento estava oficialmente cancelado por falta de previsão orçamentária. O magistrado pediu que o assunto seja analisado pelo plenário da Corte, o que deve ocorrer até sexta-feira. Nos bastidores, a Advocacia-Geral da União (AGU) prepara um contra-argumento, no qual alegará que a escassez de recursos e a pandemia de Covid-19 impedem que a pesquisa seja realizada.

Marco Aurélio atendeu a um pedido feito pelo governo do Maranhão. Horas depois de conceder a liminar, o magistrado liberou o caso para julgamento no plenário virtual, no qual outros ministros também opinarão sobre o tema. Isso significa que, por enquanto, a decisão provisória que obriga o governo a realizar o Censo está valendo, a menos que seja derrubada pelo colegiado. Os integrantes do STF poderão começar a votar na sexta-feira da semana que vem, e terão até a sexta seguinte para se manifestar.

A estratégia da AGU será apresentar aos ministros do STF as justificativas para não fazer a pesquisa em 2021. Um adela sé a escassez de recursos e outra, a questão de saúde pública no momento em que o país atravessa alta nos casos de Covid -19 e dificuldades para acelerara vacinação da população. Segundo uma fonte do alto escalão, retirar quase R$ 2 bilhões para realizar o Censo obrigaria o governo a cortar recursos de outras áreas em um Orçamento já engessado. Além disso, o ar que não é recomendável fazer visitas domiciliares na pandemia. O governo tem convicção de que conseguirá revertera decisão, disse um interlocutor do Planalto.

GUEDES CULPA CONGRESSO

Em artigo publicado no GLOBO em março, a ex-presidente do IBGE, Susana Cordeiro Guerra, explicou que o instituto vinha estudando protocolos sanitários para o Censo: “O primeiro pilar privilegia, antes demais nada, a saúde e a segurança. Temos discutido, nacional e internacionalmente, os casos de sucesso nos protocolos de saúde que protejam não só os recenseadores, como também os moradores dos domicílios visitados”.

Perguntado sobre a decisão, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que os cortes no Orçamento do Censo foram do Congresso, responsável por aprovar a proposta orçamentária no fim de março. Ao longo da tramitação do texto, a verba destinada à pesquisa caiu de R$ 2 bilhões para R$ 71 milhões. Ao final, o texto sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro reservou apenas R$ 53 milhões para a iniciativa, o que fez o governo anunciar que o levantamento estava cancelado.

—Não fomos nós que cortamoso Censo. Quem aprovou o Orçamento foi o Congresso. Quando houve o corte, no Congresso, a explicação que nos dera mé que, coma pandemia, o isolamento social impediria que as pessoas fossem de casa em casa transmitindo o vírus —disse Guedes.

Segundo fontes ligadas ao Legislativo, partiu do relator do Orçamento, senador Marcio Bittar (MDB-AC), a decisão de cortar o dinheiro da pesquisa. A interlocutores, o parlamentar afirmou que a decisão teve o aval da equipe econômica e foi tomada por causa dos riscos relacionadas à pandemia. O corte na pesquisa, no entanto, ajudou a fechar a conta para garantir cerca de R$ 16,5 bilhões em emendas parlamentares.

APAGÃO ESTATÍSTICO

Em sua decisão, Marco Aurélio avaliou que deixar de fazer o censo representa descumprir um trecho da Constituição e que cabe ao Supremo “impor a adoção de providências a viabilizarem a pesquisa demográfica”.

“Como combater desigualdades, instituir programas de transferência de renda, construir escolas e hospitais sem prévio conhecimento das necessidades locais?”, questionou o ministro.

Roberto Luis Olinto, expresidente do IBGE, destaca que é a primeira vez que o Censo precisa de determinação do STF para ser executado. Ele avalia, porém, que a liminar deve ser vista com ressalva, uma vez que as provas para recenseadores foram suspensas e o prazo é curto:

— É lamentável a operação estatística mais importante do país ficar dependendo de uma discussão do tipo “toma lá da cá”. A responsabilidade é também do ministro da Economia, que é o superior hierárquico pelo Censo.

O sociólogo Simon Schwartzman, que também presidiu o IBGE, alerta para a urgência do Censo frente ao apagão estatístico e a dificuldade de realização em 2022 por conta das eleições:

— Se for reconstituído o orçamento nos próximos dias ou semanas, dá para fazer. Existe um trabalho de preparação grande que já tem sido feito. Mas, se demorar um mês ou dois, fica mais difícil. No ano que vem, teria que ser feito no início do ano, sendo que o Censo é sempre em setembro.

Procurado, o IBGE não quis comentar a decisão do STF.