Valor Econômico, n. 5226, 12/04/2021. Política, p. A6

 

CPI dá mais poder de barganha ao Senado no Orçamento
Fabio Graner
Lu Aiko Otta
Renan Truffi
Fabio Murakawa
12/04/2021

 

 

 

Apesar de o presidente Jair Bolsonaro tender para um veto parcial nas emendas do orçamento de 2021, a decisão sobre a abertura da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da pandemia complicou a discussão, avaliam fontes do governo. Com isso, o tema adentrou o fim de semana em negociações envolvendo técnicos e políticos.

A leitura é que a abertura da CPI acabou tendo como reflexo um reequilíbrio, para o Senado, na balança da disputa pelos quinhões da peça orçamentária, que antes estava mais pendente para a Câmara, comandada pelo deputado Arthur Lira (PP-AL). Este mostrava grande revolta com a hipótese de veto total das emendas e aproveitava para jogar a conta dos cortes para as emendas do Senado - cuja maior parte estaria nas mãos do MDB - que teria elevado despesas fora do acordo político de R$ 16,5 bilhões feito pela Economia para destravar a PEC Emergencial.

Agora, com a CPI e a necessidade de o governo se proteger (seja retirando as assinaturas, seja com o controle da comissão), os senadores têm um trunfo para proteger pelo menos parte dessas despesas normalmente direcionadas para suas bases eleitorais. Por conta disso, o discurso oficial é que o governo precisa construir um “ato jurídico perfeito”, que não tensione as relações com o Parlamento.

“Nós estamos espancando as ideias. Estamos debatendo o máximo de ideias para que haja uma solução que seja um ato jurídico perfeito e que dê conforto na relação entre o Congresso e o Executivo”, disse ao Valor o ministro-chefe da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos. Questionado se isso significa não cortar tanto as emendas e evitar qualquer possibilidade de impeachment, ele respondeu: “Exatamente”.

Nesse cenário, uma alternativa que vem sendo discutida no governo é a decretação de uma nova calamidade, apenas por alguns meses. Essa seria uma forma de atender demandas e evitar o agravamento da crise com o Congresso nesse momento delicado. Também daria conforto aos técnicos, do ponto de vista jurídico, para seguir com os programas emergenciais de enfrentamento à covid e seus efeitos. O ministro da Economia, Paulo Guedes, no entanto, não gosta dessa alternativa. Ele teme um aumento descontrolado dos gastos e o sinal de afrouxamento na condução da política fiscal.

Outra opção, relatada pelas fontes, seria voltar ao acordo político original. O drama é como se fazer isso, já que ninguém quer abrir mão de sua parte e todos temem que no mercado futuro de promessas, alguma delas se perca. Bolsonaro se mostrou bastante irritado com a notícia da CPI, pois isso o deixa ainda mais vulnerável ao Congresso, especialmente em um momento no qual já está enredado nas negociações da armadilha política que se tornou a peça orçamentária “inexequível”.

Na semana passada, o conflito do Parlamento com o ministério da Economia escalou em tensão. Mas as relações com Guedes também ficaram mais estremecidas com seus pares no governo. Interlocutores apontam que o chefe da Economia e sua equipe erraram nas negociações, tanto do ponto de vista político quanto técnico.

Uma fonte destaca que a entrega de R$ 16,5 bilhões em emendas para avançar na agenda de reformas é um custo excessivamente elevado. Além disso, o momento em que essa promessa foi levada ao Congresso seria inadequado, já que teria ocorrido muito cedo e praticamente sem pressões. Por isso, os valores de emendas teriam subido tanto logo depois.

Há críticas também ao fato de que o governo não enviou mensagem modificativa em dezembro, apresentando suas novas projeções para despesas obrigatórias apenas no momento em que o relatório de Bittar já estava pronto. Agora, dizem interlocutores, o esforço é encontrar uma solução que honre os acordos e que não deixe Bolsonaro politicamente ainda mais exposto e não paralise a máquina pública, lembrando que, devido ao calendário eleitoral, a janela de gastos vai até março de 2022.

Um interlocutor comenta que a proposta inicial de Guedes era vetar R$ 39,3 bilhões do orçamento, um montante que seria inviável, porque não só faria terra arrasada nas emendas, como afetaria o funcionamento da máquina pública. Com esforço de abrir fontes, como o adiamento no pagamento de abono salarial e outras, essa conta teria caído R$ 14 bilhões.

Além disso, já há formalmente uma promessa de Bittar em devolver R$ 10 bilhões das emendas, valor que teria já chegado à casa dos R$ 13 bilhões. Mas ainda há um buraco a ser coberto para recompor despesas obrigatórias.

Nos bastidores, ainda se lembra que o governo nunca consegue executar todos seus gastos, ficando na média algumas dezenas de bilhões abaixo do teto. Dessa forma, a postura da área técnica e de Guedes, para alguns, estaria sendo excessivamente conservadora com um problema que poderia ser corrigido na execução orçamentária, avaliam fontes. Na sexta, Guedes admitiu erros, mas também apontou falhas na articulação política.