Título: Medicina preventiva - exercícios
Autor: Sergio Abramoff
Fonte: Jornal do Brasil, 05/03/2005, Outras Opiniões, p. A11

Outra dificuldade é que os planos de saúde não investem em medicina preventiva, não pagam exames periódicos anuais, e exigem dos médicos o pedido de exames

Você aí, sentado na poltrona, nesta manhã de sábado, depois de uma semana puxada, provavelmente já deu uma suspirada só em ler o título da coluna de hoje, não? Lá vem ele de novo... mas a verdade é que faz realmente muita diferença, e uma vez mais vou me esforçar para convencer cada um de vocês, sedentários, a optarem por um futuro com melhor qualidade de vida.

Para começar, apenas 30% de nós estão engajados em exercícios regulares, ou seja, uma atividade física diária, de intensidade pelo menos moderada, por cerca de 30 minutos. Benefícios? Menor risco de hipertensão arterial, infarto do miocárdio, osteoporose, diabetes e câncer de intestino e de mama (redução de 18%). Ainda não convencidos? Controle de peso (para evitarmos aquele quilinho a mais anual após os 50), prevenção de quadros depressivos, de futuras quedas por redução da força muscular e reflexos, e preservação da memória (perda 20% menor).

Infelizmente, nossa cidade perdeu muito do charme e segurança após sucessivas e desastradas administrações. Parece que nós somos especialistas em eleger políticos mais voltados para interesses pessoais do que comunitários, e sempre em oposição ao governo federal, ou seja, na contramão de incentivos e medidas de efeito continuado. Conseqüência direta, temos cada vez menos segurança pública, menos exercícios e caminhadas ao ar livre, mais grades e carros blindados.

Outra dificuldade é que os planos de saúde não investem em medicina preventiva, não pagam exames periódicos anuais, e exigem que os médicos justifiquem a doença que motivou o pedido do exame, para que este possa ser autorizado. A revista médica Jama publicou um trabalho em 1999 que mostra uma redução anual de 4,7% nos custos de tratamento de um paciente para cada dia a mais de atividade física semanal, mas nada parece convencer as seguradoras.

Nossas crianças, desde cedo, também têm menos estímulos a se exercitarem. Vão de carro ou ônibus para a escola, e quando voltam ficam em frente ao computador, televisão ou vídeo. Adolescentes querem sair na night, com álcool liberado com a compra do ingresso, e muitas vezes maconha e outras club drugs, com perda da disposição para os esportes. Já adultos lutam pela sobrevivência, para adquirir este ou aquele bem, em uma jornada de trabalho exaustiva. Difícil achar tempo e energia para colocar o tênis e sair do zero, mais difícil ainda conseguir dar continuidade e transformar a atividade em rotina diária.

Precisamos variar, para evitarmos o tédio: caminhada, natação, dança de salão, tai chi, pilates, personal training. Começou a cansar, troca. Faça uma atividade no inverno, outra no verão. Procure um amigo (a) para tornar a atividade mais agradável.

Cada minuto adicional de performance no eletrocardiograma de esforço reduz a mortalidade em 8%, lembrando que a dieta e sedentarismo são responsáveis diretos por 300 mil mortes anuais nos EUA (só perdendo para o fumo). Homens magros sedentários têm um risco maior de mortalidade que homens obesos com condicionamento físico. Outro estudo publicado na prestigiada New England Journal of Medicine (1998), avaliou 707 homens aposentados não-fumantes, com idade dentre 61 e 81 anos. Os que andavam mais que 3 km/dia apresentaram uma mortalidade após 12 anos de apenas 24%, comparado a 41% daqueles que andavam menos que 1,5 km/dia.

Sou membro da Sociedade Americana de Professores de Medicina Preventiva, e procuramos trabalhar com a promoção da saúde, explicando os riscos e morbidades das doenças, e as causas de sofrimento ou morte. Para isso, é necessário uma consulta médica com tempo suficiente, e uma avaliação e combate aos fatores que possam vir a comprometer no futuro a estabilidade do paciente, acreditando que é possível motivar uma mudança de comportamento. Afinal, não fazer exercícios não dói nem paga multa, e podemos fazer de conta que não faz tanta diferença assim. Tanto faz, que se apenas uma centena de vocês resolverem fazer os 30 minutos de caminhada diária, estarei salvando dois cânceres de mama, um câncer intestino, perda significativa de memória, e dois infartos fatais. Já terá valido a pena ter escrito esta coluna, já teria valido a pena ter- me tornado médico.