Título: Que fim levaram os homens?
Autor: Paula Barcellos
Fonte: Jornal do Brasil, 05/03/2005, Ideias & Livros, p. 1

Estatísticas ajudam a esboçar o perfil da nova mulher brasileira

Pensar no que ainda está em curso implica pisar, no mínimo, em um terreno movediço no ápice de sua atuação. Tudo em constante movimento, formando novas configurações a cada instante. Está aí o desafio: tentar caracterizar a mulher brasileira deste início do século 21. Na falta de um olhar temporal distanciado, apela-se para as estatísticas. Ou melhor, parte-se dos números para começar a esboçar um novo perfil. De acordo com a socióloga Rose Marie Muraro, a mulher representa hoje 42% da força de trabalho. Sendo responsável por 2/3 das atividades universitárias, 24% do mercado executivo e 13% do Congresso. Um avanço incontestável se comparado a décadas passadas.

- Quando comecei a trabalhar, o quadro era completamente inverso. A pergunta é que fim levaram os homens - instiga Rose Marie.

Com a inserção cada vez mais representativa da mulher no mercado de trabalho, o impasse da dupla-jornada - absorvido de tal forma ao corpo social que já se pode dizer clichê - ainda aparece como um problema crônico. E uma das justificativas, por mais irônica que soe, pode estar nos movimentos feministas da década de 1970.

Ao menos é o que aponta a advogada e presidente do Centro de Liderança da Mulher Rosiska Darcy de Oliveira:

- Com a nossa entrada no mercado de trabalho, entendida como igualdade, aceitamos condições de negociações muito negativas. Não houve uma contrapartida por parte dos homens. A vida privada ficou de fora dessa negociação.

A partir do momento em que as atribuições familiares ainda ficam centradas totalmente nas mulheres, a igualdade, segundo a advogada, permanecerá num plano utópico. Mas não adianta muito as mulheres viverem um certo ressentimento por conta disso, tampouco enxergarem a questão apenas como um problema doméstico. Para Rosiska, o impasse, na verdade, está sustentado por uma natureza cultural.

- A sociedade continua organizada como se nada tivesse acontecido, como se a mulher estivesse apenas em casa. Tem que se pensar na temporalidade social. Não se trata de dupla-jornada e sim de uma reengenharia do tempo - alerta.

Problemas em equacionar o tempo de lado, a mulher está longe de pensar em abrir mão das conquistas alcançadas. De acordo com pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo, com 61 milhões de mulheres, 39% delas relacionaram a condição feminina à independência econômica e 33% à independência social.

Mas as porcentagens ainda estão aquém do ideal. Segundo a coordenadora da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres Suely Oliveira, uma em cada cinco mulheres, 19% da população feminina do país, sofre ou já sofreu algum tipo de violência. Ou seja, 2 milhões e 100 mulheres são espancadas por ano. O mais grave é que apenas 5% das agredidas têm coragem de dar queixas em delegacias.

Ao mesmo tempo em que ainda são violentadas e temem a denúncia, as mulheres já se sentem mais confortáveis em relação ao sexo e à infidelidade. Segundo a socióloga Mirian Goldenberg, hoje a iniciação sexual das meninas é muito semelhante a dos garotos - perda da virgindade em torno de 16 anos de idade.

Em uma de suas pesquisas mais recentes, num universo de 1279 entrevistados, Mirian constatou que 47% das mulheres assumem que já traíram. Um avanço e tanto quando a traição feminina ainda é vista socialmente como pura promiscuidade. Enquanto 60% dos homens justificaram à socióloga a traição pela natureza instintiva masculina, as mulheres transferiram a culpa para o homem - seja por vingança ou falta de atenção.

- As justificativas das mulheres são reflexo da dominação masculina. Ainda somos dominadas por uma cultura machista - acredita Mirian Goldenberg.

Longe ou perto de um modelo de mulher totalmente livre - se é que há regras e formatos para isso -, o fato de elas estarem se alastrando por todos os cantos, emitindo opiniões, mostrando suas caras é o que realmente importa. Pode ser que ainda falte muito de Leila Diniz por aí. Mas nada de lamentações. Que surjam novos nomes.