Título: Lá fora: A mulher que desafiou Napoleão
Autor: Paula Barcellos
Fonte: Jornal do Brasil, 05/03/2005, Ideias & Livros, p. 1

Em pleno século 19, quando às mulheres eram atribuídos apenas os papéis de esposa e mãe houve quem afirmasse que havia três poderes na europa: Inglaterra, Rússia e Madame de Staël. A vida dessa mulher, no mínimo notável, pode ser degustada em Napoleon's nemesis , de Maria Fairweather (480 páginas, Constable & Robinson, 25 libras) que está sendo lançado na Inglaterra e conta como ela desafiou políticos, sobreviveu à guerras e produziu literatura ao mesmo tempo em que colecionava amantes.

Durante toda sua vida a escritora ignorou o costume feminino de se retirar da mesa após as refeições deixando os homens com seus cigarros, preferindo participar das discussões e defender seus pontos de vista políticos. A personalidade revolucionária tem origem em sua família pouco ortodoxa. Seu pai era o suiço protestante Jacques Necker, que foi ministro das finanças de Luis XVI, o rei cuja a deposição iniciou a tomada da Bastilha. Sua mãe começou como governanta, mas chegou a ser dona de um dos mais importantes salões da sua época, onde os aristocratas

eram confrontados com as novas idéias que iniciaram a revolução. Esse mesmo salão, herdado por Germaine, ficou conhecido como quartel general da intelligentsia européia.

Bastante fiel à família, até mesmo o futuro marido de Staël foi escolhido para agradar os pais: Germaine se ofereceu para

casar-se com William Gibbon - um cavalheiro muito querido pelos progenitores - pois dessa forma eles jamais seriam privados de sua companhia. Essa decisão surpreendeu sua mãe que acreditava que ela se casaria com William Pitt (que logo seria primeiro ministro inglês), mas a paixão de Staël por Paris falou mais alto.

Ela teve três filhos, nenhum deles de seu marido, e estava constantemente flertando com os homens (mas não era provida de muitos atributos físicos e suas táticas não eram das mais sedutoras). Em uma época em que as mulheres raramente ultrapassavam a esfera do privado, Germaine Staël foi crucial em reunir uma coalizão que ajudou a derrubar Napoleão. Além disso ela é tido como uma das inventoras da literatura comparada, precursora do Romantismo francês e autora de ensaios como o que analisa a obra de Rosseau . Desde cedo foi considerada uma celebridade - alguém da qual todos tinha uma opinião, como Byron, que a considerava '' assustadora como um precipício''.

Em seu primeiro encontro com Napoleão (onde ela foi preparada para suportá-lo como herói de guerra) ela perguntou ao tirano quem ele considerava a maior mulher da história. ''A que tem mais filhos'', respondeu ele. Conhecido por não ser benevolente com mulheres fortes, em uma outra ocasião Napoleão encarou com reprovação o decote de Germaine e perguntou se ela havia amamentado seus filhos.

Madame de Staël reconheceu que Napoleão era um tirano antes da maioria dos franceses e com Benjamin Constant (o pai da sua filha) procurou organizar a frente de resistência inglesa. A resposta de Napoleão foi rápida: dez anos de exílio. Mas mesmo fora da França ela trabalhou como ponte entre o iluminismo francês e o romantismo alemão.

Durante os tempos de terror, Staël conseguiu escapar por pouco da sua tão amada Paris, ajudada por amigos de seu pai. Da Suiça, ela ainda organizou uma rota de escape para outros amigos e salvou pelo menos 20 vidas. A maior parte das negociações entre a Rússia e a Suiça contra Napoleão também foram conduzidas pela atípica madame. Sua influência e contatos foram ainda vitais para organizar a coalisão entre Inglaterra e Prussia. Heroína e vanguardista é de Benjamin Cosntant a frase que melhor resume a vida de Madame de Staël: '' Se ela soubesse como se regrar, poderia regrar o mundo''.