Título: Reforma da reeleição
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 09/03/2005, Outras Opiniões, p. A11
Todo governo, quando se entala numa enrascada, apela para a panacéia da reforma ministerial. Pode não resolver todos os enguiços, mas ganha tempo e distrai os políticos, excita vaidades e desatina ambições; bole com os parlamentares. Ao final do mofino espetáculo, a frustrante sensação de que se desperdiçou tempo e saliva para nada: tudo continua na mesma pasmaceira. Pois, quando os ministros e secretários fracassam, paralisados pela falta de recursos ou de projetos, o culpado está alguns degraus acima, refestelado no gabinete do Palácio do Planalto.
O engambelo do troca-troca de ministros é um truque gasto, mas com inegável eficiência para desviar atenções, especialmente em tempo de crise. Trata-se de exibição para platéia escassa, mas influente. A população não toma conhecimento das futricas e apetites que merecem o seu justo desprezo.
E a mídia cumpre a obrigação de representar o seu papel no faz-de-conta, com a generosa cobertura de páginas inteiras de especulações e fofocas, que, resumidas para extrair o sumo insosso, não ocuparia mais de uma coluna nos jornais, revistas e segundos nos noticiários das TVs.
A temporada da reforma na metade do governo do presidente Lula é de uma pobreza de causar dó. Artificial, vazia, oca e mentirosa no blablablá repetitivo dos personagens, que se expõem ao ridículo, como camelôs que tentam impingir mercadoria falsificada ou contrabandeada como os últimos lançamentos da moda.
Não se ouve um pio sobre a gritante prioridade de submeter o obeso monstrengo de 35 ministros e secretários com status de ministros a uma severa dieta, para a perda de um 10 a 15 penduricalhos sem função ou sobrepostos, batendo cabeça. Ao contrário, como observa, a sério, o senador Aloísio Mercadante, com voz empostada na gravidade de líder do governo, um dos embaraços presidenciais para bater o martelo é que o excesso de candidatos para o número de prendas a distribuir entre aliados e aderentes. O PT, dono da maior fatia do bolo, resiste em distribuir alguns nacos para contentar a fila de pretendentes.
O deslumbrado PP estufa o tórax e empina barriga, expondo o umbigo, com a valorização da legenda com a eleição do deputado Severino Cavalcanti para presidente da Câmara. Assanhado como menino que ganhou celular de último modelo, o presidente do partido, deputado Pedro Corrêa, emerge do anonimato deitando falação sem papas na língua: ''Somente o Ministério das Comunicações não dá'' - desdenha. Explica-se: ''Tem que ser coisa mais recheada. Só assim posso sentar e conversar com a bancada''.
Está certíssimo. Se o governo abriu a barraca das barganhas e aceitou o leilão, o tom dos arremates, para fechar o negócio, se possível até o fim da semana, precisa ser claro e direto.
Com a franqueza que dispensa cerimônias, a reforma ministerial baixa ao térreo da caiação do cortiço para arrumar os hóspedes convidados para a reeleição de Lula em 2006, a menos de dois anos. Com todos instalados e satisfeitos, se sobrar tempo, o governo pode tentar a aprovação de duas ou três reformas paralisadas no Congresso para reforço da munição para a campanha.
Mas são objetivos secundários, complementares. De melhorar o pífio desempenho administrativo da equipe não se cuida. Para quê? Se o presidente declara-se satisfeito e orgulhoso com a turma e ostenta o índice fantástico de mais de 66% de aprovação nas pesquisas, disparado na liderança, com mais do dobro das intenções de voto dos possíveis adversários, não deve dar atenção às críticas dos despeitados.
É tocar o barco nas águas serenas do seu relacionamento com o povão, dono dos votos: viajando para aproveitar o avião de US$ 56 milhões e falando toda vez que reunir gente. Duas, três vezes por dia.
Sempre de improviso, pois discurso lido costuma ser mais maçante do que reforma ministerial.