Valor Econômico, n. 5228, 14/04/2021. Política, p. A6

 

PEC fura-teto é vista como foco de ameaça e tumulto
Fabio Graner
Lu Aiko Otta
Fabio Murakawa
Marcelo Ribeiro
14/04/2021

 

 

 

A ideia de uma proposta de emenda constitucional para deixar gastos ligados à pandemia fora do teto de gastos é alvo de forte disputa dentro do governo. Apelidada de “PEC fura-teto” do ministro Paulo Guedes (Economia), a proposta é vista como mais um foco de ameaça e tumulto político, em um ambiente já desgastado por conta do Orçamento e pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da pandemia.

De um lado, fontes da área econômica apontam que a minuta que circulou entre congressistas estaria defasada, mas defendem o caminho da PEC como forma de se evitar problemas relativos ao teto de gastos e às demais regras fiscais. Seria uma espécie de calamidade pública, mas por outro caminho, que imporia maior limitação e controle do que será gasto adicionalmente na Saúde e em programas como o BEm, Pronampe e outros ligados à pandemia a serem acionados.

O ponto mais polêmico da minuta, que é a possibilidade de usar R$ 18 bilhões para “outras despesas” destinadas a enfrentar os efeitos da pandemia, não consta das versões mais recentes, segundo fontes. Em suas versões mais atuais, a PEC garante algo em torno de R$ 10 bilhões para o BEm e um valor entre R$ 4 bilhões a R$ 5 bilhões para fundos que dão suporte ao Pronampe. O texto também libera, sem estabelecer valor, os gastos para medidas de saúde para enfrentar a pandemia.

Um interlocutor do presidente Jair Bolsonaro, porém, disse ao Valor que a PEC já “morreu”. E que, sem a possibilidade de jogar gastos ligados à pandemia para uma mudança constitucional, a discussão do Orçamento ainda não sancionado estaria retornando para as opções originais que estavam na mesa. Essa fonte diz que a probabilidade maior é que Bolsonaro promova vetos parciais nas emendas parlamentares e envie um projeto (PLN) corrigindo as despesas obrigatórias e as emendas originalmente acordadas.

O flanco político do governo é majoritariamente refratário à PEC. A leitura é que a medida seria apenas um seguro que Guedes está propondo para proteger sua equipe técnica, que estaria desnecessariamente atemorizada com a situação orçamentária. E que seria um jeito de ele cumprir o acordo feito dividindo a conta do “fura-teto” com o parlamento.

Além disso, a avaliação é que a tramitação de uma PEC dessa natureza não tem como ser rápida, podendo servir de pretexto para acusações de que Jair Bolsonaro estaria usando a situação de miséria social e problemas na saúde para conseguir mais dinheiro e comprar apoio de parlamentares durante a CPI. Outro argumento é que a mudança pode iniciar com um valor, mas nada garante que seu alcance não seja ampliado pelos parlamentares na tramitação, dadas as crises sanitária, social e econômica por que passa o país.

Ontem, foram realizadas novas rodadas de reuniões sobre o Orçamento e a PEC também fez parte das discussões. Até o fechamento dessa edição, contudo, nenhuma conclusão havia sido anunciada e os mercados, especialmente o de juros, sentem cada vez mais a pressão da incerteza fiscal.

Reservadamente, deputados do Centrão afirmam que há “uma ingenuidade política” do ministro por acreditar que a proposta “pode ser uma solução mágica para o impasse”. Eles dizem que o próprio Guedes teria concordado com os termos da peça orçamentária e ainda resistem a eventuais vetos. O ministro, por outro lado, garante que o acordo foi por R$ 16,5 bilhões em emendas e não o dobro, como colocado pelo relator-geral, senador Márcio Bittar (MDB-AC).

Os parlamentares destacam que o projeto não teria como garantir a chegada de recursos em seus redutos eleitorais, porque ainda precisariam de um texto para determinar as destinações. Vale lembrar que o membro mais importante do centrão hoje é o presidente Arthur Lira (PP-AL), que tem tido atritos frequentes com Guedes.

O ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ) atacou a proposta. “Acabei de receber a minuta da PEC fura teto do governo. É um erro. Na minha opinião, deveríamos criar a comissão da PEC do deputado Pedro Paulo, que trata de redução de despesas do governo federal. Este seria o caminho correto para organizar o Orçamento federal. Se há espaço pra discutir uma PEC, esta emenda vai no caminho correto”, disse em rede social.

O diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Felipe Salto também criticou a ideia de uma PEC. “É preciso resolver os problemas do Orçamento sem contratar outros”, afirmou. “Já existem instrumentos para viabilizar gastos emergenciais como o BEm e o Pronampe, sem a necessidade de alterações no texto constitucional, disse Salto.