Valor Econômico, n. 5228, 14/04/2021. Política, p. A6

 

Setores do Executivo contestam necessidade de veto a emendas
Fabio Graner
Edna Simão
14/04/2021

 

 

 

Em meio às discussões que continuam no governo sobre o Orçamento de 2021, fontes do governo contestam a defesa do veto às emendas adicionadas pelo relator ao texto que vinha sendo apoiado pela equipe econômica, argumentando que nos últimos quatro anos os gastos efetivos do Executivo sempre ficaram abaixo do teto.

De fato, os números do Tesouro mostram que, na média dos últimos quatro anos, a despesa sujeita ao limite constitucional ficou R$ 48,9 bilhões abaixo do permitido. No ano em que ficou mais próxima, 2019, alcançou R$ 33,9 bilhões, montante superior a todo orçamento de emendas do relator (R$ 29 bilhões) para este ano e maior que o rombo de R$ 31,9 bilhões calculado pela Instituição Fiscal Independente (IFI).

Por isso, há uma ala no governo, que encontra eco no Congresso, defendendo que o melhor seria o presidente Jair Bolsonaro não vetar a peça aprovada no parlamento, fazendo os ajustes necessários ao longo do processo de execução orçamentária. A interpretação é que a sanção, nesse caso, não implicaria em crime de responsabilidade fiscal, ao contrário do que afirma a equipe econômica, pois seria possível ao governo enviar projeto corrigindo as despesas subestimadas e controlar a execução dos gastos não obrigatórios para o teto não ser descumprido.

A causa principal para essas sobras recorrentes é o chamado “empoçamento” de recursos nos ministérios, que raramente conseguem executar todo o volume que está autorizado a eles por uma série de fatores, como processos licitatórios, vinculações e outros.

O diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Felipe Salto, lembra que a sobra no teto em 2020 teve seu valor inflado pelo fato de que o governo realizou muitas despesas extraordinárias fora do teto, entre elas o auxílio emergencial, que beneficiou também o público do Bolsa Família. Com isso, os recursos orçamentários para esse grupo ficaram parados em boa parte do ano, ajudando nessa conta.

Salto reconhece que os dados dos últimos anos sempre mostraram uma sobra, mas aponta que isso não é garantia de que vai ocorrer no futuro. “Esse resultado não é um bom previsor para o futuro”, disse. “O teto pode ser rompido se os ajustes não forem feitos. E romper o teto é crime”, comentou, apontando que as despesas discricionárias estão em níveis bastante baixos, complicando a decisão do governo.

A economista-chefe do Credit Suisse Brasil, Solange Srour, afirmou que, ao contrário do que aconteceu em anos anteriores, a folga do teto de gastos será esgotada neste ano. Ela lembra que o próprio relatório bimestral de receitas e despesas já mostra que seria necessário um corte de R$ 17,5 bilhões das despesas para que o teto de gasto seja cumprido. “Não vai ter folga neste ano porque o buraco é muito grande”, frisou Solange. “Eu acho que a equipe econômica deveria ter alterado os parâmetros das despesas antes da aprovação do orçamento que já começou com um ‘gap’ de R$ 17 bilhões”, complementou.

Segundo ela, essa conta considera o descasamento entre o índice de inflação que corrige o teto de gasto do utilizado para atualizar benefícios como aposentadorias e pensões, mas ainda é preciso incluir no teto um gasto de quase R$ 10 bilhões com a desoneração da folha de pagamento e recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), que não poderão ser bloqueados, além do aumento dos gastos das emendas.

Solange frisou que a segunda onda da pandemia de covid-19 traz a necessidade de aumentar gastos públicos. Ou seja, se o governo tivesse conseguido aprovar a PEC emergencial com gatilhos mais polpudos, a situação seria vista no mercado de forma diferente. Por exemplo, haveria menos barulho para o caso de aumento de gastos com a saúde fora do teto de gasto.

Para 2022, a economista avalia que não haverá problemas para cumprimento do teto de gasto devido o patamar mais alto da inflação. Ela ressalta, no entanto, que o governo vai precisar avaliar como será feito esse aumento de despesa em ano eleitoral pois se utilizar toda a margem terá que admitir um déficit primário maior. “O problema é que o Brasil não fez todas as reformas necessárias para dar sustentabilidade ao teto de gastos”, frisou.

O economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, afirmou que o que mais preocupa, no momento, é o fato de o orçamento ter sido mal feito, citando que isso ocorreu por que os parâmetros não foram recalculados corretamente. Para Vale, o teto de gasto não está sob risco ainda. “O que espantou foi mais esse desenho mal articulado do que poderia causar em si à regra do teto neste momento que, concordo, não está sob risco ainda. No limite, seriam feitos contingenciamentos ao longo do ano para acomodar no teto se fosse necessário”, disse Vale.