Valor Econômico, n. 5229, 15/04/2021. Brasil, p. A6

 

Salles e europeu trocam farpas em evento sobre clima
Daniela Chiaretti 
15/04/2021

 

 

 

União Europeia diz que meta climática brasileira fracassa em aumentar ambição e é “um mau sinal”
O compromisso climático brasileiro, apresentado em dezembro, foi criticado ontem em evento da União Europeia com o Brasil sobre clima e biodiversidade, assim como a falta de um plano concreto para reverter o quadro.

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles -- que ontem, em outra frente, foi alvo de uma notícia-crime relacionado a corte de madeira -- , contestou as críticas feitas no evento.

Virginijus Sinkevicius, comissário europeu para o Meio Ambiente, Oceanos e Pesca, citou a NDC do Brasil no Acordo de Paris como “uma das mais ambiciosas”, referindo-se à meta climática apresentada em 2015, no governo Dilma Rousseff. “Contudo, o fracasso em aumentar o nível de ambição na NDC atualizada é uma oportunidade perdida. E, neste sentido, um mau sinal. Esta NDC deveria ser consistente com uma estratégia de longo prazo”, disse, referindo-se à meta atualizada em dezembro.

Sinkevicius falou ontem, na abertura de evento de alto nível promovido entre a União Europeia e o Itamaraty. “A UE e a comunidade internacional esperam que o Brasil mostre mais ambição, tanto em clima como em biodiversidade, recriando confiança”, seguiu. “O desmatamento e a degradação florestal são problemas a serem urgentemente enfrentados”, seguiu. Disse que o consumo na Europa não pode mais estar ligado a produtos com origem no desmatamento: “A Europa não pode mais tolerar desmatamento legal ou ilegal e isso também não ajuda a economia brasileira”. Continuou: “O desmatamento precisa ser contido urgentemente na Amazônia e em outros biomas importantes como o Cerrado e o Pantanal”.

“Para que isso ocorra, tem que haver uma estratégia robusta, com metas, incentivos e sinais de mercado. Esta é uma parte importante que falta na equação”.

Salles, reagiu às farpas europeias. “O Brasil é um dos poucos países que colocaram em sua NDC uma abrangência geral”, citou. O compromisso da meta climática brasileira de envolver toda a economia é de 2015. Foi reafirmado em dezembro, em meta controversa sobre o aumento de ambição.

“Temos, de fato, um desafio grande em relação ao desmatamento ilegal, e aqui ressalto que o desmatamento ilegal é o problema. Porque o legal é regulamentado pela lei mais restritiva do planeta”, disse Salles. “O cuidado da Amazônia passa, necessariamente, pela regularização fundiária, pelo zoneamento econômico-ecológico, pela bioeconomia. Mas a bioeconomia enquanto realização concreta. Não uma miragem que não vem sendo colocada em prática na última década.”

Salles disse que a população da Amazônia não pode ser “deixada para trás” sob risco de ser cooptada pelo crime. E falou do compromisso dos países ricos de apoiar os em desenvolvimento com US$ 100 bilhões ao ano. O artigo 6 do Acordo de Paris, a ser concluído na CoP 26, “pode trazer o pagamento de serviço ambientais no volume, intensidade e velocidade necessários para dar incentivo à região”.

“O conceito de desenvolvimento sustentável, com seus pilares igualmente importantes (social, econômico e ambiental) é hoje mais relevante do que nunca. A pandemia só agravou ainda mais os desafios que enfrentamos”, disse o chanceler Carlos Alberto França.

Foi por um tema relacionado a desmate ilegal que Salles foi alvo de notícia-crime assinada pelo delegado Alexandre Saraiva, superintendente da Polícia Federal no Amazonas. A informação foi veiculada por Jorge Pontes, no site da “Veja”. Saraiva confirmou ao Valor que a notícia-crime foi enviada ao presidente do STF, Luiz Fux. No centro da questão, uma apreensão da PF de cerca de 200 mil metros cúbicos de madeira ilegal. Salles se posicionou contra à ação, argumentando que os documentos das toras estavam regulares. (Colaborou Marcos de Moura e Souza)