Valor Econômico, n. 5231, 19/04/2021. Política, p. A10

 

Joesley e Wesley Batista retomam depoimentos
André Guilherme Vieira
Mônica Scaramuzzo
19/04/2021

 

 

 

Donos de um império global da carne, Joesley e Wesley Batista voltaram a prestar depoimentos neste ano no contexto de suas delações. Os acordos dos irmãos foram repactuados com a Procuradoria-Geral da República (PGR) e homologados pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, em dezembro de 2020.

Foram esclarecimentos em procedimentos em andamento, que são poucos perto dos quase 20 depoimentos mensais que os delatores da J&F, holding da família, chegaram a prestar após maio de 2017, quando entraram no olho do furacão depois que Joesley gravou conversas com Michel Temer. Além dos irmãos, Francisco de Assis e Ricardo Saud também são delatores. Saud ainda busca repactuar seu acordo.

Controladores da JBS, principal negócio do grupo - que faturou R$ 270 bilhões em 2020 -, a companhia escapou ilesa de denúncias que atingiram a família, que planeja listar suas ações nos EUA, seu principal mercado em vendas. “É página virada”, diz um alto executivo do grupo, que também participa da colaboração premiada. Segundo ele, suas vidas “voltaram ao normal”.

Afastados dos negócios desde 2017, Joesley e Wesley cumprem prisão domiciliar e seguem imersos em suas defesas. Eles só viajam com ordem judicial como parte do acordo fechado com o atual procurador-geral, Augusto Aras.

Os Batista se afastaram dos holofotes depois que correram o risco de ter seus acordos rescindidos. Em setembro de 2017, o então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, alegou que Joesley e o executivo Ricardo Saud mentiram e omitiram fatos em suas delações. Os irmãos perderam a imunidade obtida quando assinaram entendimentos com a PGR, em maio daquele ano.

A repactuação não saiu barata. A multa imposta a Joesley e Wesley saltou dos R$ 110 milhões negociada com Janot para R$ 1 bilhão exigido por Aras. A J&F não será processada pelo Ministério Público - a multa da leniência custou R$ 11,4 bilhões e o acordo foi validado pela Justiça Federal.

A JBS também não será alvo de ação no exterior, após acordo de US$ 256,4 milhões com o Departamento de Justiça americano (DoJ, na sigla em inglês), ajustado em outubro de 2020, com a confissão de pagamento de subornos.

Os Batista cumprem rotinas cercadas de zelo. Controladores da JBS e donos de diversas empresas, como Flora (produtos de higiene e limpeza), Âmbar (energia), PicPay (meios de pagamento) - que está em processo de abertura de capital fora do país -, a gigante da carne atravessou incólume um oceano de denúncias de corrupção, diferentemente da Odebrecht, um dos maiores grupos da construção civil no passado. Mesmo firmando leniência com diversos órgãos de controle e com 77 executivos e sócios confessando práticas de corrupção no Brasil, EUA e Suíça, o grupo baiano amarga recuperação judicial com dívidas de R$ 100 bilhões.

A família Batista tem a seu favor o fato de o modelo de negócios de suas empresas não ser vinculado ao setor público, caso das empreiteiras. Não há relação de dependência de receita governamental, segundo fonte do alto escalão do grupo, que falou sob reserva. Wesley e Joesley, diferentemente de Marcelo Odebrecht, se anteciparam para firmar delação.

A família passou a blindar seus negócios desde que as conversas de Joesley com o então presidente Michel Temer, gravadas no Palácio do Jaburu em março de 2017, vieram à tona, em 17 de maio daquele ano, e foram divulgadas pelo jornalista Lauro Jardim, de “O Globo”.

Naquele mesmo ano, o grupo se viu envolvido com outros frigoríficos do país na Operação Carne Fraca. E a blindagem surtiu efeito: a JBS é avaliada hoje em R$ 83,9 bilhões, alta de 223% desde o estouro da crise, conforme levantamento do Valor Data.

Os irmãos Batista disseram, nas delações, que a JBS usou doações oficiais para pagar propina a políticos em troca de contrapartidas à empresa. Joesley detalhou o funcionamento do esquema de compra de políticos e confirmou cerca de R$ 500 milhões em repasses.

Aos procuradores, os Batista relataram pagamentos a parlamentares, ex-presidentes da República, fiscais do Ministério da Saúde. A maioria das doações oficiais da JBS era propina disfarçada no caixa 1, via campanha, caixa 2 e malas de dinheiro. Líderes políticos foram denunciados. Das dezenas de investigações que decorreram de acusações dos delatores, quase 80% foram enviadas à Justiça Eleitoral por decisão do STF.

Quando Joesley e Wesley foram presos, em setembro de 2017, José Batista Sobrinho, o Zé Mineiro, patriarca e fundador da JBS, retomou o comando da empresa, com apoio do BNDES, principal sócio do grupo. Os netos de Zé Mineiro - Wesley Batista Filho e Aguinaldo Gomes Ramos - passaram a integrar o conselho de administração e assumiram os principais negócios da família. Fontes contam que os herdeiros são tutorados por Joesley e Wesley, que hoje também se dedicam ao instituto de educação que fundaram. Joesley espera o nascimento do sexto filho, uma menina.

No ponto mais agudo da crise, o grupo vendeu operações importantes, como frigoríficos da América do Sul, a Vigor, a Alpargatas e a Eldorado - que enfrenta litígio com sua sócia, Paper Excellance. Travou, ainda, batalha com seu parceiro relevante, o BNDES, que pediu o afastamento dos irmãos da gigante de carnes.

A JBS recebeu bilionários aportes do banco de fomento, que nos governos do PT foi orientado a desenvolver “campeãs nacionais”. O BNDES informa, em seu site, que as empresas JBS e Eldorado receberam R$ 17,6 bilhões entre 2003 e 2017 - em valores atualizados, o montante é de R$ 31,2 bilhões. Desse total, foram R$ 9,5 bilhões em empréstimos e R$ 8,1 bilhões de investimento em ações da JBS e da Bertin (comprada pelo grupo).

Sob a gestão de Paulo Rabello de Castro, ex-presidente do BNDES indicado por Temer, a JBS teve de mudar parte de seu conselho a pedido do banco quando a crise veio à tona. “Não fizemos esse movimento para contrariar a família, embora houvesse esse entendimento à época”, disse Rabello de Castro. Para ele, a aposta do BNDES na companhia se revelou acertada.

O banco instalou comissão interna independente para apurar corrupção. Em dezembro de 2019, divulgou que não encontrou evidências diretas de corrupção, influência indevida sobre o BNDES ou pressão por tratamento diferenciado à J&F na negociação.

“O investimento do banco foi bem calculado e altamente lucrativo para o BNDES”, afirmou Rabello, que disse que o Tribunal de Contas da União “infernizou o BNDES na discussão da venda do primeiro lote de ações do banco por centavos de reais”. O BNDES contratou, no ano passado, um pool de bancos para vender a fatia restante nos próximos meses, apurou o Valor.

Procurado, o banco não comentou a operação. JBS, família Batista e advogados dos empresários e do grupo não se pronunciaram.