Título: Cientistas lamentam perda de Lattes
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Fonte: Jornal do Brasil, 10/03/2005, País, p. A5

Pesquisador que revolucionou o estudo da Física, sepultado ontem em Campinas, recebe homenagens de autoridades

SÃO PAULO - O corpo do físico César Lattes foi sepultado ontem à tarde no cemitério Flamboyant, em Campinas (SP). Lattes, que era viúvo, foi enterrado ao lado da mulher no jazigo da família. Curitibano, o pesquisador que revolucionou o estudo da Física no Brasil morreu na terça-feira, aos 80 anos, vítima de parada cardíaca.

Um dos maiores cientistas brasileiros e conhecido mundialmente como um dos responsáveis pela descoberta do méson pi - partícula que garante a estabilidade do núcleo do átomo -, Lattes era modesto e brincalhão. Fumante inveterado, se dizia contra a pós-graduação.

- Grandes físicos como (Niels) Bohr e (Wolfgang) Pauli fizeram importantes descobertas antes dos 25 anos, e hoje um físico só acaba sua formação com 30 ou 40 - defendeu em entrevista a uma revista, à qual disse ser contra experiências com transgênicos e clonagem.

O ministro da Ciência e Tecnologia, Eduardo Campos, o presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Erney Camargo, e o secretário de Cultura de Campinas, Rogério Cerqueira Leite, foram ao sepultamento. Lattes foi homenageado, ao longo do dia, por autoridades, amigos e colegas, que lamentaram a perda.

O secretário estadual do Meio Ambiente de São Paulo e ex-ministro da Ciência e Tecnologia, José Goldemberg, formado em Física quatro turmas depois de Lattes, no Instituto de Física da USP, destacou a importância do físico para a ciência e lamentou:

- Ele deveria ter ganhado o Prêmio Nobel.

Goldemberg considera Lattes o primeiro ''produto nacional'' na Física, responsável por colocar o Brasil no cenário internacional. O secretário destacou a importância do colega no estudo dos raios cósmicos e na descoberta, em 1947, dos mésons pi. Para Goldemberg, Lattes deixa uma lacuna de ''inspiração'' ao país.

O ministro da Cultura, Gilberto Gil, também lamentou a morte do cientista. Gil enfatizou a importância da geração de Lattes para a inserção do Brasil nos grandes debates internacionais sobre física moderna. O ministro lembrou que em seu disco Quanta, de 1997, homenageou Lattes e a comunidade científica, regravando um samba de Carlos Cachaça e Cartola feito para o pesquisador. Na carta de apresentação do disco de Gil, Lattes reconhece a semelhança entre suas duas paixões: ''A ciência é uma irmã caçula (talvez bastarda) da arte''.

O ministro lembrou que Lattes deixa discípulos nas universidades brasileiras, especialmente na Unicamp e na USP.

- César Lattes deixa uma saudade grande, uma lacuna grande e evidentemente vai deixar também uma obra, uma semeadura importante.

Para o diretor do Instituto de Física da USP, Gil da Costa Marques, Lattes é ''um exemplo do Brasil que dá certo''. Foi nesse instituto que Lattes se formou e onde lecionou antes de ajudar a fundar a Unicamp. Marques lembrou que Lattes criou as agências que proporcionaram o crescimento científico do Brasil: esteve por trás da criação do CNPq e do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas.

O diretor do instituto recordou que Lattes sempre atuou, ''até sua morte'', com seu grupo na Unicamp, na área de física de raios cósmicos.

Em nota oficial, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, exaltou o talento do físico, ''um dos responsáveis pelo reconhecimento internacional da qualidade de nossos pesquisadores''.