Título: Além do Fato: Um anjo no seu negócio
Autor: Fernando Marques*
Fonte: Jornal do Brasil, 10/03/2005, Economia & Negócios, p. A18

As pequenas e microempresas, respondendo por 20% do PIB e por 60% dos empregos no Brasil, contribuem de forma vital para o nosso desenvolvimento econômico. Paradoxalmente, na hora da concessão de crédito nossos empreendedores estão longe de terem tratamento prioritário, pois recebem apenas 10% dos créditos bancários. Muitos empreendedores precisam contar com seus próprios recursos ou os da família (love capital) para manter o negócio. Diante de um cenário hostil, marcado por crédito escasso, juros estratosféricos e excessiva carga tributária, resta ao empreendedor rezar para que um anjo apareça em sua vida oferecendo capital. Não se trata de esoterismo, o investidor anjo existe e pode ser a ponte para que a idéia do empreendedor saia do papel e torne-se um grande negócio. O investidor anjo é um capitalista de risco em busca de oportunidades de negócios para o seu capital. A terminologia pode soar um tanto esotérica mas os anjos são comuns nos Estados Unidos e tornaram-se uma das mais importantes fontes de capital responsável pelo financiamento de empresas emergentes americanas. São mais de 400 mil anjos que no ano de 2000 investiram em torno de US$ 30 bilhões na economia norte-americana. Esses investidores, em sua maioria, tornaram-se milionários em função do sucesso de seus empreendimentos, possuem educação superior e substancial experiência em finanças e gestão de negócios.

O capital do anjo é tido como capital semente (seed money) e competente, pois combina duas formas de capital críticas nos estágios iniciais de novos negócios: o capital financeiro de risco e o capital humano de investidores experientes. O anjo assume um alto risco, pois aposta na fase inicial da empresa, tornando-se, geralmente, sócio dela até que o empreendimento ganhe forças e ande com as próprias pernas. A expectativa do anjo é realizar o ganho de capital na venda de sua participação após um período de três a cinco anos, em média, quando se dará a esperada valorização da empresa. Por isso, que uma preocupação básica do anjo é com o seu plano de saída da empresa. O anjo prefere um empreendedor que além de mostrar um perfeito domínio do negócio, esteja aberto a conselhos e a participação de terceiros na empresa. O capital humano é, por vezes, tão ou mais importante que o financeiro, incluindo importantes ativos intangíveis constituídos pelo investidor anjo e que são repassados ao novo empreendimento, tais como seu conhecimento técnico e do ramo de negócio, sua experiência profissional e sua rede de relacionamentos. Um anjo adequado encontrado, certamente, acrescentará muito mais ao negócio do que propriamente o dinheiro injetado.

Uma iniciativa para uma atuação mais ativa do anjo no Brasil ocorreu com a criação do Gávea Angels, composto por um grupo de investidores individuais do Rio de Janeiro. O aporte máximo é de R$ 1 milhão, devendo o empreendimento estar em sua fase inicial e enquadrar-se em um dos ramos de negócios contemplados pelos associados. Iniciativas similares começam a aparecer em outras partes do país, como o Bahia Angels, rede de anjos em formação de apoio estratégico ao empreendedorismo local.

Para correr a multiplicação dos anjos no Brasil alguns entraves devem ser superados, a saber:

a) diferentemente de outros países desenvolvidos, aqui faltam incentivos fiscais para investimentos em capital de risco, tais como dedução do imposto de renda e isenção de ganhos de capital;

b) nossos anjos ainda operam de forma muito isolada, havendo a necessidade de se formar times;

c) alguns anjos revelam uma certa carência no uso de técnicas para avaliar investimentos em empresas nascentes, sendo recomendável a implantação de mecanismos educacionais para a capacitação adequada desses investidores. A adoção dessas medidas reforçaria a crença de que o empreendedorismo pode contribuir de forma significativa e indiscutível para o progresso econômico e bem estar da população brasileira.

*Professor de contabilidade e finanças e membro do centro de inovação e empreendedorismo da Business School São Paulo - BSP