Correio Braziliense, n. 21.147, 18/04/2021. Política, p. 2

 

Planalto se arma para a guerra dos 90 dias

Jorge Vasconcellos

18/04/2021

 

 

Com minoria na comissão parlamentar que investigará as ações e omissões da União no combate à covid-19, governo se prepara para enfrentar meses de forte desgaste político, com risco de ver comprometidos planos de Bolsonaro para reeleição

Antes mesmo de começar a funcionar, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado que vai apurar a atuação do governo na pandemia da covid-19 e os repasses federais para estados e municípios produziu efeitos imediatos. Alguns são preocupantes, como o aumento da tensão entre os  Poderes e novas ameaças à estabilidade democrática. A partir do início das investigações, que  deve ocorrer nesta semana, o Brasil voltará a viver uma experiência que, em outros momentos da  história nacional, foi marcada por graves repercussões políticas e jurídicas. E não deve ser diferente desta vez, ante um acervo de provas e indícios à disposição para os senadores apurarem as  responsabilidades pelo fracasso brasileiro no combate ao novo coronavírus.

Instalada na semana passada, no pior momento da pandemia no país, com média diária de mortes causadas pela covid19 acima de 3 mil, a CPI será o principal desafio político do  presidente Jair Bolsonaro desde a posse no cargo. É a repercussão mais grave da opção que ele fez  de politizar as discussões sobrea pandemia, em confrontos com governadores, o Supremo Tribunal  Federal (STF) e a comunidade científica.

A ordem do ministro Luís Roberto Barroso, do STF, para a instalação imediata da comissão de  inquérito, atendendo a mandado de segurança dos senadores Jorge Kajuru (Cidadania-Go) e Alessandro Vieira (Cidadania-SE), rompeu a blindagem de Bolsonaro no Congresso, até então representada pelos presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEMMG),  eleitos para os cargos com o apoio do governo. Após a decisão judicial, o chefe do Executivo voltou a atacar o STF e a ameaçar com a possível adoção de “medi- das duras”, sem explicar, no entanto, do que se trata.

Alvo de mais de 100 processos de impeachment protocolados na Câmara, Bolsonaro tem pela frente os  desgastes com o funcionamento, por pelo menos 90 dias, de uma comissão parlamentar que vai  apurar a falta de rumos do governo no enfrentamento da pandemia.

As investigações serão realizadas por uma CPI formada, majoritariamente, por senadores não alinhados ao governo. Dos 11 titulares, apenas 4 são aliados do presidente Bolsonaro. Para agravar  a tensão ,o MDB, que tem a maior bancada no Senado, indicou Renan Calheiros (AL) para ser o relator da comissão. O parlamentar alagoano ainda não se conforma com a manobra orquestrada pelo  Planalto que levou o MDB a abandonar a candidatura própria na eleição à Presidência do Senado, em  fevereiro, o que favoreceu a vitória de Rodrigo Pacheco.

Com poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, assegurados pela Constituição, a CPI poderá convocar investigados e testemunhas para depoimentos,  requisitar informações e documentos sigilosos, entre outras diligências. Também tem competência para quebrar o sigilo bancário, fiscal e telefônico de alvos da investigação. Concluídos os  trabalhos, é apresentado um relatório final, que pode incluir propostas de lei e envio das  investigações ao Ministério Público, para responsabilizações cíveis e criminais.

O senador Fernando Collor (Pros-AL), critica o fato de a nova comissão de inquérito do Senado ter  sido instalada no pior momento da crise sanitária. Segundo ele, as investigações poderão  prejudicar os esforços do país para combater o novo coronavírus. "Porque se atingir a figura do  presidente, no primeiro momento, é atingir a figura daquele que ainda pode assumir o comando, que  somente a ele cabe no combate ao covid. E enfraquecer o poder do presidente da República é enfraquecer as forças vitais que podemos opor um combate ao covid-19", disse ao Correio.

O advogado Cláudio Timm, especialista em direito administrativo, sócio do Tozzini Freire Ad vogados, considera que a CPI terá à disposição um amplo acervo probatório — documentos, declarações públicas de autoridades — para a apuração de responsabilidades de autoridades  estaduais, distritais e municipais.

Quanto à situação do presidente Bolsonaro, ele afirma que "há elementos iniciais que podem ser  usados em sua responsabilização por irregularidades na reação à pandemia, mas certamente outros  elementos serão colhidos pela CPI". O senador Rodrigo Pacheco, ao instalara CPI, incluiu a possibilidade de as investigações mirarem também a aplicação de recursos da União por governadores e prefeitos, após pressões de aliados do governo.

Para o cientista político André Pereira César, da Hold Assessoria Legislativa, a inclusão dos governadores como potenciais  investigados, além de desviar o foco do governo federal, pode também antecipar as disputas para  as eleições estaduais do ano que vem. “A pandemia é nacional, mas impacta estados e municípios. O  Amazonas, por exemplo, virou um símbolo da má condução, da tragédia que nós estamos vivendo. Aí  os adversários entram”, observa César.

Ele cita os senadores Eduardo Braga e Omar Aziz, representantes do Amazonas na CPI, “que são,  naturalmente, pré-candidatos, lideranças regionais que sabem que poderão explorar a crise no  estado", conclui o especialista.

Quanto ao pleito presidencial, observa André César, “os embates foram antecipados por Bolsonaro  desde o início da crise sanitária e, com a CPI, devem se agra- var ainda mais.”