Correio Braziliense, n. 21148, 19/04/2021. Brasil, p. 5

 

Queda de braço por leitos

Sarah Teófilo

19/04/2021

 

 

Comandante do HFA afirma que não há leitos vagos no hospital e que, se tivesse, não poderia fornecer vagas ao SUS. Para defensor público da União, atendimento exclusivo a militares precisa ser suspenso momentaneamente para %u201Csalvar vidas%u201D em meio à pandemia

No pior momento da pandemia do novo coronavírus no Brasil, hospitais militares estão sendo cobrados a ofertarem leitos de unidades de terapia intensiva (UTIs) a civis. Com atendimento limitado a militares e seus dependentes, a questão tem sido cobrada e acompanhada pela Defensoria Pública da União (DPU) e pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que apuram possíveis irregularidades relacionadas à não oferta ao público civil de leitos que estariam disponíveis durante o enfrentamento da covid-19.

A apuração ocorre desde meados de março. Este mês, a defensoria solicitou que a União concedesse à Secretaria de Estado da Saúde do Distrito Federal (SES-DF) acesso à regulação dos leitos de UTIs e enfermarias dos hospitais militares no DF, a fim de que todas as pessoas que estivessem na fila pudessem ter direito aos leitos assim que vagassem, "obedecidos os critérios de prioridade previamente estabelecidos no âmbito" da secretaria.

Antes disso, a própria pasta solicitou vagas de UTIs ao Hospital das Forças Armadas (HFA), que tem mais leitos entre as quatro unidades militares do DF, mas o pedido foi negado, sob a justificativa de limite da capacidade técnica. Em entrevista ao Correio no último dia 8, o comandante Logístico do Hospital das Forças Armadas, o general Ricardo Rodrigues Canhaci, garantiu que não há leitos ociosos e que a unidade está no limite. Durante o mês de março, segundo ele, o hospital teve uma média de ocupação de leitos de UTIs de 95%. Na última sexta-feira, a unidade estava com a taxa de ocupação de UTIs de 90% (em um total de 40 leitos), nível considerado crítico, e com 56,7% dos 67 leitos de enfermaria ocupados, um percentual considerado normal.

"Ninguém está se negando a ajudar. A questão é que não tem leito", disse Canhaci. De acordo com o comandante do HFA, mesmo que o atendimento não estivesse no limite no âmbito da covid-19, o hospital não poderia ofertar leitos ao Sistema Único de Saúde (SUS) no momento, porque precisaria retomar as cirurgias que estão represadas, em uma fila que só cresce. E ressaltou que, no HFA, não há convênio com o SUS. "Quem vai me pagar por esse paciente? E essa tabela do SUS é uma tabela inferior ao que eu vou receber do fundo de Saúde das Forças. Aí, como é que eu vou sustentar o hospital?", questionou. Mesmo assim, destacou, isso "nunca foi e nunca será motivo" para negar vaga ao SUS. "O motivo é falta de leito pelo excesso de paciente".

Os questionamentos em torno da oferta de leitos ao público geral se dão porque as unidades militares também recebem recursos da União, e o cenário é de crise sanitária nacional. No ano passado, hospitais vinculados às Forças Armadas ou ao Ministério da Defesa empenharam do orçamento R$ 1,95 bilhão, segundo o Tribunal de Contas da União (TCU). A reportagem perguntou ao ministério valores repassados ao Hospital das Forças Armadas (HFA) via orçamento e para combate à covid-19, mas o dado não foi enviado. A pasta informou, apenas, que R$ 124,7 milhões foram direcionados pelo MD a esses hospitais para combate à doença.

Essas unidades têm regulamentação específica, com compromisso de atendimento dos militares, que podem se ferir em treinamentos, por exemplo. Comandante Logístico do Hospital das Forças Armadas, o general Ricardo Rodrigues Canhaci disse que os valores advindos do orçamento representam 45% dos recursos necessários para o sustento do hospital, e que os outros 55% são dos fundos das Forças, descontados do salário dos próprios servidores. No caso de lotação da unidade, o diretor explica que recorre a hospitais particulares conveniados (que são três em Brasília, para caso dos servidores do MD e do HFA).

Defensor público da União que atua na ação civil pública que pede compartilhamento de vagas dos hospitais militares do DF com a central de regulação da Secretaria de Estado da Saúde do Distrito Federal (SES-DF), Alexandre Cabral sugeriu, na última sexta-feira, que o juiz marque uma audiência de conciliação no prazo de até 72 horas entre os envolvidos para que se chegue a uma solução. A sugestão se deu após resposta da União de que esses hospitais não possuem vagas para ofertar. De acordo com ele, o pedido de que as unidades atendam pacientes do SUS é extraordinário, para a situação emergencial que se vive.

Alexandre ressalta que, em tempos normais, isso não aconteceria, porque os hospitais militares não fazem parte do SUS, mas que, no momento, leitos de enfermaria ajudariam a rede do DF. Para o defensor, apesar de a lógica do sistema dos hospitais militares ter uma razão de ser (de atendimento exclusivo a militares e seus dependentes), ela precisa ser suspensa momentaneamente. "Não é indefinidamente. Seria um período curto. Isso não vai acabar com o hospital militar, mas pode salvar vidas. Se salvar uma vida, já vale", disse.