Título: ''Podemos perder a Cidade Digital''
Autor: Guilherme Queiroz
Fonte: Jornal do Brasil, 13/03/2005, Brasília, p. D3

Entrevista / Jorge Pinheiro

Em setembro do ano passado, o deputado federal Jorge Pinheiro (PL-DF), pediu a relatoria do projeto de lei que trata da expansão do Parque Nacional de Brasília, que começaria a tramitar em regime de urgência dentro da Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados. Seriam 45 dias para selar um pacto, costurado após extensas discussões entre o Ibama e o GDF, que viabilizaria a construção da Cidade Digital, projeto com investimentos previstos de R$ 2 bilhões. Mas, tal como chegou à Câmara, o projeto assim permanece. A audiência pública que deveria ter sido marcada pelo governo federal para colocar às claras os termos da lei, não aconteceu. E sem esta etapa o projeto não anda. Urge, por outro lado, que uma resposta seja ao Banco do Brasil, responsável por cerca de 60% do aporte do empreendimento, sob risco de ver os recursos serem investidos em uma outra cidade. Na última semana, Pinheiro esteve com a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, para saber em que pé que se encontra o trâmite.

¿A ministra disse que nos próximos dias estaria marcando essa audiência pública para que pudéssemos prosseguir¿, relatou. Pinheiro aguarda a audiência pública para avaliar se faz alterações em seu parecer, que em um primeiro momento, recomendava um corte de quase 50% nos 15 mil hectares previstos a serem incorporados. Mas alerta: ¿Se essa audiência não for marcada este mês, temo que possamos perder a Cidade Digital.¿

- Em novembro, o projeto de lei que prevê a expansão do Parque Nacional saiu da pauta da Comissão de Meio Ambiente da Câmara. Desde então, que progresso houve no tratamento da questão?

- Na prática, quase nenhum. No mês de dezembro nós tivemos uma reunião com o gerente-executivo do Ibama [Franciso Palhares], um representante do Banco do Brasil, o então presidente da Comissão, Paulo Baltazar (PSB-RJ), e ficou acertado que entre janeiro e fevereiro o órgão marcaria a audiência pública, para que em março, quando retomássemos as atividades parlamentares pudéssemos colocar o projeto em votação. Essa audiência pública não aconteceu, não foi marcada e por conta disso, infelizmente, inviabilizou-se todo o processo dentro da Câmara dos Deputados.

- Existe alguma movimentação dentro do Ibama e do Ministério do Meio Ambiente para que essa audiência seja marcada o mais breve possível?

- Existe. Na terça-feira estive em audiência com a ministra Marina Silva, juntamente com os integrantes da nova Comissão do Meio Ambiente da Câmara dos Deputados. Um dos assuntos colocados na discussão com a ministra foi exatamente a questão dessa audiência pública. E a ministra, que conhece bem toda a história, a importância de redimensionarmos e redefinirmos de uma vez por todas a poligonal do parque, disse que nos próximos dias estaria marcando essa audiência pública para que pudéssemos prosseguir.

- Mas por que razão não havia sido marcada antes?

Havia um entendimento do próprio Ministério, na época, de que essa audiência teria de ser marcada pelo Legislativo. Hoje, o entendimento do jurídico do Ministério é de que realmente a audiência pública tinha de preceder o envio do projeto à Câmara dos Deputados. Isso evitaria uma série de transtornos, como aconteceu agora. Com essa disposição do Ministério do Meio Ambiente de interagir e contribuir para o bom andamento do projeto, esperamos que o mais rápido possível essa audiência seja marcada, cumpra os 30 dias de prazo, e nós possamos então colocar o projeto em votação.

- O mudará, na prática, no andamento do projeto com a realização?

- Essa audiência pública é muito importante porque ali nós vamos ter condição de ver quem tem escritura, quem é dono, quem não é. Que destino nós vamos dar, por exemplo, às pessoas que estão ocupando área pública e que que não são donas, mas que estão lá há mais de 40 anos, antes da criação do próprio parque nacional. Essa audiência pública é fundamental até para balizar um posicionamento de manter o atual relatório ou até de uma alteração. A audiência pública vai envolver todos aqueles que se sentem lesados, aqueles que querem participar, os órgãos federais, estaduais e todo o Distrito Federal, que queiram opinar.

- Como trazer à tona dentro da audiência pública a questão, por exemplo, da propriedade da terra, de modo que venha a ajudar na pacificação do problema fundiário?

- Na audiência pública todo mundo tem direito de falar, de mostrar documentos e provar. Você deflagra o início do processo. É difícil, como você vai ouvir todos? Como é que vai ouvir as pessoas que se sentem lesadas, aqueles que se sentem no direito, inclusive, de ocupar a área, que no caso seria a União, e transformar aquilo num parque. Na audiência você tem essas coisas mostradas de maneira muito clara e objetiva. O próprio Ministério Público participa, e a partir daí você tem deflagrado o um processo, tendo-se então uma visão mais clara do problema. Não adianta eu, como relator, dizer que conversei com fulano, que estive lá, conversei com a comunidade. A partir do momento em que você vê isso sendo colocado às claras, gravado, os órgãos de imprensa participando, tudo aquilo que é colocado fica muito claro. Isso é o ponto de partida para desenrolarmos esse nó que acabou se tornando o projeto de lei.

- Na última audiência na comissão, o Ibama se mostrou insatisfeito com os cortes previsto no parecer, que chegavam a uma redução de quase 50% da área inicialmente desenhada. E se pela audiência houver sustentação para que se mantenha os cortes?

- Na verdade, a audiência pública não é deliberativa, não tem poder de alterar nada, nem o projeto original do governo nem o voto do relator na comissão, que no caso, sou eu. Mas ela baliza, porque ali vai se sustentar uma ou outra tese, ou de repente, parte de uma e parte de outra. A gente pode tentar compor um entendimento de forma que o meio ambiente não seja agredido mas que a questão social não seja atropelada. No meu entendimento, do jeito que foi feito o lado social não pode ser esquecido. Não se pode olhar apenas do ponto de vista ambiental e atropelar as pessoas que estão envolvidas no processo, principalmente porque são pessoas pobres. A gente percebe que já há uma flexibilização do outro lado, como sempre houve uma flexibilização da minha parte. Agora, sem audiência pública eu não tinha como simplesmente fingir que não aconteceu o problema social.

- Essa flexibilização poderia resultar numa redução dos 15 mil hectares para uma área menor?

- Nós começamos a conversar com a própria Terracap para flexibilizar essa situação de modo a agregar uma outra área, mediante doação do GDF, para fazer uma composição de maneira que a redução hoje proposta não seja tão drástica, ainda que não se chegue a uma ampliação de mais de 50% sobre a área atual, original. Na verdade, a idéia era definir a poligonal de um parque que já existe e que sofreu durante alguns anos alguma pequena retração. Só que o aumento proposto pelo projeto original do governo federal aumenta em mais de 50% o original, ou seja, ficaria muito acima de tudo aquilo que se esperava. Claro que quanto maior um parque, melhor. Mas se você cria um parque sem condições mínimas de sustentabilidade, esse parque está fadado ao fracasso. Como depois se cercará esse parque todo? Como se possibilitará aos agentes do próprio Ibama, que já são poucos, tomar conta e preservar essa área toda, impedir a grilagem? Criar apenas um parque monstruoso, enorme, não é a solução. Tem-se de dar maneira que ele se sustente, que ele possa ser viável de fato.

- Onde é a área da Terracap?

- Seria mais no extremo norte da área proposta, uma área que não foi incluída, mas é uma área de nascentes, de riachos e cursos d'água. Estamos estudando junto à Terracap a possibilidade de incorporar essa área até para compensar aquelas áreas que estariam em litígio, áreas em que você não tem ainda uma definição fundiária. Para evitar e minimizar o impacto social que teria, e ao mesmo tempo tentar um número mais próximo daquilo que o projeto original havia sido colocado, há essa flexibilização.

- Essa atenção que estaria sendo dada pelo Ministério do Meio Ambiente está tomando à questão social, seria, por exemplo, uma percepção de que poderia haver um conflito ali? São 8 mil famílias...

- Na minha opinião o conflito já existe, até do ponto de vista moral. A partir do momento em que você está morando numa área e aquela área está sendo disputada, se vai ser um parque, se vai ser de ocupação humana, se vai ser uma área para atividades agrícolas, isso já é uma agressão, já vejo o conflito aí. Só o fantasma de você perder o teto que mora - e eu falo isso sempre avaliando do ponto de vista daquela pessoa humilde e simples. Nós temos ali diversos casos. Não pode generalizar e dizer que são só pessoas ocupantes de boa fé. Tem pessoas ali que praticaram grilagem de terra. Mas o que eu acho importante é separar o joio do trigo. E é por isso que tem audiência pública, pra gente fazer essa separação com justiça. Eu não me sentiria à vontade de atropelar o processo e cometer uma injustiça com alguém com uma canetada. Então eu não me sentiria à vontade para alterar o meu substitutivo. Agora, se na audiência pública alguns pontos ficarem bastante claros, nós podemos até alterar, modificar e até crescer, se for o caso, a área proposta do substitutivo.

- A implantação da Cidade Digital está em contagem regressiva. O Banco do Brasil precisa ter uma resposta se será possível ou não construir seu centro de armazenamento de dados ali. Qual seria a data limite para a aprovação do projeto de lei na Câmara e no Senado?

- O prazo limite seria março. O Banco do Brasil precisava de uma sinalização, até porque eles precisam iniciar uma série de projetos com relação à área que estão pretendendo. Estão praticamente com os projetos parados. O prazo limite seria março. Se neste mês nós não tivermos alguma coisa positiva, que garanta à Superintendência do Banco do Brasil que aquela área será futuramente viável, nós corremos o risco sério de perder o empreendimento. Eles já estão com o prazo limite estourado há muito tempo. Uma complacência seria este mês. Se a gente conseguisse, embora a audiência pública ocorra após 30 dias da sua marcação, pelo menos já poderíamos contar com o fato concreto de sua definição, já teríamos um fato mostrando que o processo está andando. Se essa audiência não for marcada este mês, temo que possamos perder a Cidade Digital.