Título: Glifosato: a ameaça virou realidade
Autor: Marcelo Ambrosio
Fonte: Jornal do Brasil, 13/03/2005, Internacional, p. A12

Dosagem excessiva do herbicida usado para matar plantações de coca colombianas causa alarme sanitário no Equador e Peru

Há cinco anos, o biólogo equatoriano Ricardo Vargas, especialista em contaminação, alertava, em entrevista ao Jornal do Brasil , que o uso, em concentrações excessivas, de milhões de litros do herbicida Glifosato contra plantações de coca colombianas ameaçava a saúde das populações fronteiriças do Equador e do Peru. O risco também incluia o Brasil, para onde correm os principais rios da região. Se não fossem mudados os métodos de fumigação, dizia, a poluição levaria a uma crise ambiental. Um relatório publicado em janeiro de 2005, em Quito, e um estudo que deve ser divulgado esta semana, em Lima, comprovam que as sombrias previsões de Vargas se concretizaram.

Produzida pelo médico espanhol Adolfo Maldonado para a Defensoria Pública do Equador, a pesquisa mostra que os prejuízos com a intensa e contínua aplicação do herbicida já são detectados no homem. O estudo, que durou dois anos na fase inicial, acompanhou 47 mulheres, equatorianas e colombianas, 22 delas em uma área da fronteira em Sucumbios, no vale do Rio Putumayo, a 10 km da faixa onde aviões civis pulverizam - e as restantes numa área de controle, a 80 km. Em todas, exames revelaram sintomas de intoxicação. Pior: em 36%, os danos, ainda reversíveis, atingiram as células sanguíneas.

- Elas sofriam com irritação nos olhos, dificuldades respiratórias e traziam pneumonias químicas que exigiam antibióticos. Também havia quadros de diarréias, vômitos, mal estar geral e irritações de pele - descreve Maldonado, falando ao JB da capital equatoriana. O professor conta que a nuvem tóxica elevou a mortalidade, embora não ligue diretamente uma coisa à outra.

- Foram 12 óbitos em três meses, coincidindo com as fumigações. E 70% das vítimas eram crianças ou idosos, com sistema imunológico enfraquecido - explica.

Tido como um agente seguro - o Roundup é um dos mais vendidos no mundo - o Glifosato ou Fosfometilglicina, em tese, deveria afetar apenas as árvores de coca. Porém, segundo o médico, a necessidade de lançá-lo em grande quantidade e no menor tempo possível (para reduzir a exposição a ataques de terra) levou os pilotos a exagerarem a concentração, atingindo outras plantações, poços e contaminando até os peixes. Para uma proporção recomendada pela agência ambiental dos EUA, de 1% de herbicida e 99% de água, estão sendo aplicadas misturas com, em média, 26% de glifosato e 74% de água.

Além de reduzir a diluição, os aviões lançam 26, 4 litros/hectare de glifosato associado a dois outros elementos, ambos muito tóxicos: os surfactantes POEA e Cosmoflux 411F. O primeiro amplia o alcance, vaporizando a solução (que é facilmente inalada). O segundo é um aderente que, segundo Maldonado, impede que o produto seja neutralizado no solo, aumentando a persistência. O reflexo é uma concentração de fósforo (elemento altamente nocivo) 300% acima do tolerável.