Título: A distribuição da riqueza e da renda Eduardo Suplicy
Autor: Eduardo Suplicy
Fonte: Jornal do Brasil, 13/03/2005, Outras Opiniões, p. A15

A persistência da desigualdade na distribuição da renda é uma das características mais marcantes da economia brasileira ao longo das últimas décadas. Seja nos períodos de maior crescimento econômico ou de recessão, de maior ou menor inflação, os coeficientes de desigualdade registrados no Brasil estão entre os maiores do mundo. Os últimos dados oficiais do Banco Mundial (2005) e da ONU (2004), mostram que o Brasil se encontra respectivamente em 6º e em 5º lugar na qualificação dos países com maior desigualdade, tendo em conta o coeficiente Gini.

O coeficiente Gini, que varia de zero a um, sintetiza o grau de desigualdade. Quando há igualdade completa, todas as pessoas recebendo exatamente o mesmo numa sociedade, o coeficiente é zero. Quando apenas uma pessoa detém toda a renda da sociedade, o coeficiente é um. Segundo os dados levantados com periodicidade quase anual pelo IBGE, através da PNAD - a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - o coeficiente Gini da distribuição de renda média mensal de trabalho das pessoas ocupadas acima de 10 anos, de 1981 a 2003, apresentou a seguinte evolução de 0,564, em 1981, atingindo seu pico de 0,63, em 1989 e a partir de então começa uma trajetória de queda registrando 0,563, em 2002 e 0,555, em 2003.

Nota-se, portanto, nos últimos anos, uma moderada melhoria na distribuição de rendimentos. O valor do coeficiente Gini de 2003 é o menor desde 1981. Mesmo assim, a distribuição da renda continua muito desigual, como mostram os dados de 2003: a parcela dos 1% mais ricos obteve 12,8% da renda, enquanto os 50% mais pobres obtiveram 13,5%. Apenas um pouco melhor do que em 2001, quando os 1% mais ricos detinham 13,7% e os 50% mais pobres 12,4%.

Cabe ressaltar que os dados da PNAD referem-se apenas aos rendimentos do trabalho. Mas, para termos uma noção mais completa, precisamos também considerar os rendimentos do capital, isto é, de como se distribuem os rendimentos na forma de lucros, juros e aluguéis recebidos por proprietários de empresas, títulos financeiros e imóveis, além dos rendimentos do trabalho de qualquer natureza. É importante também que possamos considerar todos os tipos de transferência de renda e de benefícios existentes na legislação, tais como os da previdência, do seguro-desemprego, do programa Bolsa-Família, do programa de erradicação do trabalho infantil, dos destinados aos idosos e aos deficientes, e assim por diante.

O IBGE também faz a Pesquisa de Orçamentos Familiares, ou POF, que capta esses rendimentos. O presidente do IBGE, Eduardo Nunes, me explicou que a POF foi realizada nos anos 1986, 1996, 2003 e está programada para 2005, para abranger uma amostra de 50 mil domicílios que, em princípio, seriam pesquisados de agosto deste ano a julho de 2006. Assim, poderá detectar de maneira mais completa como tem evoluído a distribuição de todos os tipos de rendimentos no Brasil, incluindo os efeitos dos diversos programas governamentais de transferência de renda, até mesmo os de distribuição não monetária, como de cestas básicas.

É de se esperar que a distribuição de todos os tipos de rendimentos também melhore a partir da evolução da estrutura fundiária. Depois de uma agravante concentração do coeficiente Gini sobre a posse da terra, que era de 0,831, em 1992, e passou para 0,843 em 1998, dados apresentados pelo presidente do Incra, Rolf Hackbart, na última 5ª feira no Senado mostram uma trajetória em direção à maior igualdade. Em 1998 havia 1,6% de imóveis com mais de 1000ha, correspondendo a 52,9% da área total de imóveis rurais. Já em 2003, os 1,6% de imóveis com mais de 1000ha correspondiam a 46,8% da área total.

É essencial que se realize a Pesquisa de Orçamentos Familiares para que o governo e a sociedade tenham uma noção clara de como está evoluindo a distribuição da renda e da riqueza, de como as diversas políticas econômicas e sociais, inclusive a reforma agrária, influenciam a vida dos brasileiros. Isso serve tanto para o governo quanto para a oposição avaliar os programas em curso e sugerir aperfeiçoamentos. Estão previstos R$ 8 milhões para a POF, que serão adiantados pelo empréstimo que o Banco Mundial está concluindo, de US$ 557 milhões, direcionado ao Programa Bolsa-Família, que será apreciado pelo Senado nesta semana.

Acontece, entretanto, que o governo anunciou um contingenciamento que incluiu justamente os recursos necessários a realização da POF 2005. Quero aqui fazer um apelo aos ministros Antonio Palocci e Nelson Machado, da Fazenda e do Planejamento, e ao presidente Lula, para que considerem a importância da realização dessa pesquisa, neste e nos próximos anos, o que vai permitir que tenhamos os elementos necessários para avaliar um dos aspectos mais importantes da política econômica: em que medida estão os instrumentos colocados em prática efetivamente contribuindo para erradicar a fome, a pobreza absoluta e melhorar a distribuição de renda no Brasil?