Título: ''Vamos responder sozinhos por 0,5% de crescimento do PIB''
Autor: Marcus, Marcelo, Patrícia e Daniele
Fonte: Jornal do Brasil, 13/03/2005, Economia & Negócios, p. A27

As autoridades reguladoras brasileiras estão sendo excessivamente rigorosas com a Vale? - Acho que sim. Investimos nos últimos quatro anos 60% de tudo o que foi aplicado em ferrovias no país. Aumentamos nosso transporte ferroviário em 10% ao ano, mas o transporte de cargas de terceiros cresceu quatro vezes mais. Eu me pergunto: o que eu fiz de errado? Estamos sendo punidos por termos efetivamente feito algo.

- O sr. atribui as críticas a uma disputa comercial?

- A pressão vem de alguns que querem aproveitar o momento para ampliar canais de exportações. Só que querem aproveitar os nossos investimentos. Passamos a receber críticas daqueles que não têm visão de longo prazo. A meu ver, a SDE (Secretaria de Direito Econômico) mandou parecer inconsistente para o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) julgar. O Cade tem que regular, ser rígido, policiar os cartéis, mas tem que ver também que nunca deixamos faltar um grama sequer de minério de ferro no mercado interno. Temos metas tarifárias com a ANTT (Agência Nacional de Transporte Terrestre) e estamos cumprindo. O reajuste de tarifa, por exemplo, tem ficado abaixo do sugerido.

- A Vale é hegemônica no transporte ferroviário.

- Não existe concorrência entre ferrovias porque não se pode construir uma ao lado da outra. A competição das ferrovias é com o transporte rodoviário. Falei com os conselheiros do Cade que queria fazer uma denúncia: somos a única empresa que faz transporte ferroviário interestadual de passageiros, nos ramais de Carajás e Minas-Vitória. Temos que acabar com esse monopólio (risos). A Vale foi a sócia que mais investiu na FCA (Ferrovia Centro-Atlântico). Assumimos a ferrovia, que estava sucateada, investimos pesado, criamos curso para formação de mão-de-obra. O país não tinha mais maquinistas. Mas agora querem que a gente se desfaça de parte da FCA. Qual a lógica disso?

- A companhia também teve expansão no setor de mineração, por meio de aquisições.

- A SDE diz que a Vale está muito grande. Nós fornecemos 30% do consumo de minério de ferro do país, mas se as siderúrgicas quiserem mais matéria-prima, não vai haver problema. No mercado europeu, temos 45%, 50% do mercado e já passamos pelo crivo da Comissão Européia. Ou seja, somos maiores lá do que aqui. A natureza do negócio da mineração é ser grande, para ganhar em escala. Ser grande é pecado?

- O sr. acredita, então, que a posição dominante no mercado nacional é necessária para os planos de expansão no exterior?

- O Brasil é grande e precisa ter empresas grandes. Não pode ter um ambiente que limite ou dificulte suas vocações. A Vale recebe críticas por ter uma postura pró-ativa. Por sermos a empresa que mais investe em logística, somos a que mais recebe pressão dos clientes. No entanto, crescemos mais no transporte de carga geral do que no de minério de ferro.

- Isso envolveu aquisições de empresas tradicionais.

- Fizemos um movimento positivo para a economia nacional. Compramos a Ferteco da alemã ThyssenKrupp e a MBR e a Caemi da japonesa Mitsui. Estamos atraindo outros grupos internacionais para novos investimentos no país no setor de siderurgia. O Brasil tem que ter lugar no assento da frente, porque temos recursos minerais e tecnologia. Não podemos ficar de joelhos perante o mundo.

- Os clientes reclamaram do reajuste de 71,5% no preço do minério, mas no mercado à vista as cotações estavam bem mais altas. Não seria mais lógico simplesmente vender o excedente da produção no mercado à vista?

- Não temos intenção de operar no mercado spot (à vista), mas no ano passado, por conta de um excedente de produção, vendemos minério à vista. Vendemos pelota a US$ 120 e minério de ferro fino a US$ 50, mais do que o dobro dos preços nos contratos de longo prazo. Mas nosso compromisso está em atender os nossos clientes. Toda a siderurgia mundial compra no spot, mas na hora de aceitar o reajuste de preço em contratos de longo prazo, reclama. Isso faz parte do jogo.

- Estes preços serviram de base para o cálculo do reajuste de preços, tão criticado pelas siderúrgicas?

- Sim. É ele que mede a demanda do mercado.

- De qualquer forma, houve muita reclamação, até sobre os possíveis impactos na inflação.

- Não há motivo para tanta reclamação. O carvão mineral subiu US$ 60. A siderurgia ganhou no ano passado, em média, margem de U$ 350 em cada tonelada de bobina a frio. Levando-se em conta que o país é importador de carvão, o novo preço do minério de ferro colabora para as exportações nacionais. O reajuste no preço do minério de ferro representa quase US$ 4 bilhões de saldo na balança comercial. Só isso significa crescimento de 0,3 ponto percentual de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto, soma de todas as riquezas geradas no país em um ano). Com os investimentos que estamos prevendo, o impacto no PIB chegará a 0,5 ponto percentual este ano. É bom que o país tenha uma empresa grande, capaz de negociar bem no exterior. Houve um forte lobby contra o reajuste. Falei para o presidente (Luiz Inácio Lula da Silva) que não havia risco para a inflação. Lembrei a ele que as siderúrgicas e montadoras já haviam se antecipado ao reajuste. Encomendamos também um estudo à Fundação Getúlio Vargas, que mostrou que o impacto da alta no minério de ferro não ultrapassaria 0,03 ponto percentual na inflação.

- O lobby contra o reajuste foi grande?

- Foi, mas todo mundo seguiu o mesmo índice. Tirando a BHP Billiton (australiana, maior concorrente da mineradora brasileira), que ainda está negociando com seus clientes e tenta conseguir reajuste acima de 71,5%.

- E quanto à siderurgia nacional? A Vale tem investido em novos projetos, em associação com grupos estrangeiros, como a alemã ThyssenKrupp e a chinesa BaoSteel.

- Estamos mostrando ao mundo que o Brasil é o melhor local para produção de aço. Temos minério de ferro de boa qualidade e logística. Este é o momento de atrair investimentos. Em vez de exportarmos só minério, podemos já exportar as placas de aço. Temos potencial competitivo para isto.

- Como andam as conversas com a ANTT?

- Ainda estamos discutindo o caso da MRS (operadora de ferrovias, gerida em sociedade com grupos como CSN e Gerdau). Quando a Vale diz que quer fazer investimentos, começa um jogo interessante. A privatização tinha por objetivo o equilíbrio entre mineradoras e siderúrgicas, com cada grupo detendo 50% das ações. Com a compra da Ferteco e da MMR, passamos a deter 40% do capital da MRS. O edital diz que a participação acionária não pode ultrapassar 20%, a menos que haja o consentimento da ANTT. É por isso que estamos lutando. Transportamos 65% da carga da MRS e geramos 85% do lucro, mas querem reduzir nossa participação. Não queremos ter postura que possa prejudicar terceiros, mas também não queremos ser prejudicados.

- O que está por trás dessa disputa?

- É uma briga por corredores de exportação. A CSN e a Gerdau têm minas próprias e querem ter controle das ferrovias. Eles querem tirar capacidade da Vale para colocar carga deles. Estamos atendendo todas as regras da ANTT.

- A Vale também está na luta para se tornar investment grade (grau que oferece segurança aos investidores). O que isso representará em termos de crédito? A companhia tem enfrentado dificuldades para obter financiamento?

- Conseguimos viabilizar investimentos nestes últimos anos porque temos acesso a dinheiro de longo prazo. No JBIC (banco de fomento japonês), por exemplo, conseguimos crédito a taxas mais competitivas do que as do BNDES. Aliás, já pedimos ao BNDES crédito de forma mais ágil. Não é possível que, a cada investimento, a gente tenha que ir lá apresentar projeto detalhado. No JBIC, pedimos dinheiro para logística uma vez. Eles abriram para nós um guarda-chuva e, quando precisamos, é só pegar. O BNDES é sócio da Vale. Conhecer a gente melhor do que eles é difícil. Não é possível que leve seis meses para nos liberarem crédito. Não tem lógica.