Título: Brasil fortalece liderança
Autor: Catharina Epprecht
Fonte: Jornal do Brasil, 14/03/2005, Internacional, p. A7

Formação de bloco tornou alto o custo político de rejeição dos EUA à proposta brasileira nas Nações Unidas

Apesar de postergar para o ano que vem o debate de sua resolução sobre redução de danos apresentada na 48º Comissão de Narcóticos e Drogas das Nações Unidas, a delegação brasileira afirma-se vitoriosa. A proposta, aceita e apresentada na reunião pelo Grupo Regional da América Latina e Caribe (Grulac), obteve apoio de 50, dos 53 países presentes no encontro, que aconteceu semana passada na Áustria e rejeição dos Estados Unidos, como informou ontem o Jornal do Brasil. A vitória, explicam membros da delegação, consiste no apoio e na permanência do debate da resolução para o próximo ano, em maior visibilidade para a questão dentro do país e, principalmente, em mais um posicionamento de liderança do Brasil na América Latina.

- O Itamaraty fez uma jogada diplomática brilhante. O ministro que conduzia as negociações, Marcos Pitta Gama, percebeu que não se chegaria a consenso algum, que não haveria tempo para isso - conta Denise Doneda, assessora de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas, do Ministério da Saúde, que estava em Viena na delegação brasileira. - O que se fez foi tabelar a discussão para o ano que vem, assim não tivemos nem de retirar determinados termos, como propuseram os EUA, nem de derrubar a resolução.

O plantão do Ministério de Relações Exteriores não quis comentar o assunto, mas tanto as representantes da delegação do Ministério da Saúde, quanto de ONGs ligadas à redução de danos comemoraram a maneira como foi encerrada a reunião.

- Tivemos apoio do Grulac, que engloba o Caribe, uma região historicamente alinhada aos Estados Unidos - diz Pedro Gabriel Delgado, coordenador de Saúde Mental, Álcool e Outra Drogas.

Delgado ainda explica que a estratégia do Brasil não é contrária à repressão do tráfico de drogas, nem da lavagem de dinheiro e diz que a Polícia Federal brasileira também teve uma boa participação no encontro.

- Em 2006, teremos mais apoio do Grulac e de grupos da União Européia. Neste ano, os EUA ganharam, mas há um progressivo isolamento das posições mais intolerantes no cenário da ONU - adverte Delgado.

- Quem sabe o que pode acontecer no ano que vem? - questiona Denise sobre uma possível mudança de posição japonesa e russa.

O Ministério da Saúde publicou nota, divulgando o ''apoio explícito à estratégia do Brasil'' por parte de diversos países. O comunicado continua: ''Até países muçulmanos, que costumam manter posturas conservadoras, declararam apoio, ainda que tímido, à redução de danos. Foi o caso do Irã e do Marrocos, que declararam estar dando mais atenção aos usuários de drogas injetáveis''.

Domiciano Siqueira, presidente da Associação Brasileira de Redutores de Danos (Aborda) acompanhou do Brasil as negociações.

- Os EUA procuraram o Brasil para debater a exclusão de termos, como ''troca de seringas'' ou a própria expressão ''redução de danos''. A delegação brasileira não aceitou retirar do documento o termo ''redução de danos'' - relata.

Siqueira é ainda mais otimista que Denise e acredita que a aceitação dos EUA é apenas uma questão de tempo:

- Os próprios americanos estão revendo suas posições. A história dos EUA é marcada por altos e baixos nas questões dos direitos humanos e dos direitos individuais, mas com o tempo isso pode mudar. Muitos países, mesmo que não aceitem a questão dos direitos individuais, aceitam a redução de danos pela questão econômica. O tratamento de uma pessoa com Aids pode custar até US$ 30 mil por ano. A estratégia da redução de danos custa cerca de US$ 30 anuais.

O presidente da Aborda diz que a liderança brasileira na América Latina não é apenas política, mas também científica. A maior pesquisa latino-americana sobre o assunto foi feita entre 2000 e 2001, numa colaboração do Ministério da Saúde com a Universidade Federal de Minas Gerais.

- Os resultados foram extremamente animadores - argumenta. - O número de casos de Aids entre usuários de drogas injetáveis diminuiu 49% em 10 anos.

Segundo a pesquisa Projeto Ajude Brasil II, ''em 1993, foram notificados 4.926 casos [de Aids]em UDI [usuários de drogas injetáveis], considerando homens e mulheres. Em 2002, foram 2.511 casos de Aids nessa população específica.''

Apesar de resultados como esse, os EUA argumentam que falta embasamento científico na estratégia de redução de danos.