Título: Religiosos acham ''justa'' a dotação
Autor: Paula Porto
Fonte: Jornal do Brasil, 14/03/2005, Brasília, p. D1

Para entrar no orçamento da Secretaria de Cultura, o evento deveria ter algum viés cultural. A afirmação parece óbvia, mas o grande desafio dos evangélicos e católicos é justamente provar que os eventos que recebem dinheiro do GDF não têm caráter estritamente religioso. O Congresso das Mulheres Virtuosas, por exemplo, reúne em média 10 mil pessoas por ano, de acordo com a Casa da Bênção. Segundo o pastor Oliveira, o congresso tem ''estudo, palestras e ensinamentos bíblicos dirigidos às mulheres''. A música fica por conta dos cânticos ritualísticos. Mesmo que fossem contratados grupos gospel, o pastor avalia que isso não acarretaria numa grande despesa.

- Não tem cachê. No meio evangélico não existe essa palavra. Os grupos que vêm de outros Estados, nós só pagamos as passagens e a hospedagem - afirma.

Enquanto os menos graduados na hierarquia da igreja descrevem os encontros patrocinados pelos cofres públicos como estritamente religiosos, os presidentes das entidades já têm o discurso que associa a religião com a cultura na ponta da língua.

- Os congressos são abrangentes. O ponto alto é a Instrução da Palavra, mas temos apresentação de bandas gospel, grupos de dança e teatro. Enfatizamos bastante a juventude. O que o GDF nos dá não cobre nem um sexto do que gastamos - comenta o pastor Marcos, do Ministério Internacional Efrain. Para a organização do Congresso Nacional de Igrejas em Células no Governo dos 12, estão previstos R$ 140 mil do orçamento.

O distrital Paulo Tadeu (PT), defende que alguns eventos religiosos, como a Paixão de Cristo de Planaltina e a Festa do Divino, também merecem ser considerados manifestações culturais.

- A Via Sacra se tornou o maior evento cultural do DF e é reconhecida nacionalmente. Não é dinheiro para a igreja, mas para uma coisa cultural que existe - ressalta.

Para Arlete Sampaio (PT), que aprovou emenda orçamentária destinando R$ 100 mil à Via Sacra do Cristo Negro de Samambaia, a pedido da comunidade daquela cidade, ''uma emenda pontual sobre um evento cultural é importante''.

- Agora, querer que todo orçamento da Secretaria de Cultura se destine aos evangélicos é que não pode - alerta a deputada.

Contudo, há um consenso entre os pastores: é justo dar dinheiro às festividades religiosas, seja qual for seu viés.

- A participação é mais que justa. O meu dinheiro está financiando o carnaval e outras coisas com que eu não concordo - retruca o pastor Marcos.

Promotor de Justiça licenciado, Chico Leite (PT) faz as críticas mais ácidas.

- Isso faz parte de uma cultura de transformação do público em privado. As pessoas são eleitas para defender o coletivo, mas na realidade, passam a defender o individual - analisa.

Muita água - - De acordo com Pedro Borio, secretário de Cultura, muita água ainda vai rolar antes que as emendas orçamentárias se convertam em recursos públicos. Os projetos precisam passar ainda pela Procuradoria Geral do DF.

Além disso, os distritais terão de batalhar para que o governador Joaquim Roriz (PMDB) ceda aos argumentos e transforme a boa-vontade dos parlamentares em realidade para os eleitores-fiéis. O orçamento, como lembra Pedro Borio, é autorizativo: Roriz não é obrigado a executá-lo integralmente.