Título: Cultura financia a religião
Autor: Paula Porto
Fonte: Jornal do Brasil, 14/03/2005, Brasília, p. D1

Igrejas conseguem alocar R$ 3,6 milhões para atividades no orçamento do DF

Se o orçamento de 2005 do DF for rigorosamente cumprido, os eventos culturais apoiados pelo GDF terão em seus tablados pastores, padres e grupos gospel. Emendas parlamentares inseridas na rubrica orçamentária da Secretaria de Cultura destinam R$ 3.262.000 para congressos religiosos, festas de padroeiros e marchas de oração. Das 40 emendas, 33 beneficiam os evangélicos, cuja bancada na Câmara Legislativa tratou de garantir larga fatia dos recursos públicos para os seus seguidores: R$ 2,655 milhões. Já as festividades católicas, que receberam R$ 580 mil no ano passado, farão jus a R$ 750 mil. Excetuando-se o dinheiro destinado ao custeio de pessoal e manutenção geral da Secretaria, a verba religiosa consome cerca de 12,5% do orçamento da Cultura.

Mesmo que o orçamento seja simplesmente indicativo, podendo ou não ser cumprido pelo Poder Executivo, o assunto provoca discussões acaloradas. Juristas afirmam que o apoio governamental a eventos religiosos é inconstitucional, já que a Constituição, em seu artigo 19, veda aos estados, DF e municípios estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança. Mas, os deputados, autores dos projetos, afirmam estar defendendo o interesse dos eleitores da cidade.

Os valores reservados aos grupos evangélicos é notoriamente maior do que dos eventos tradicionais subsidiados pela Secretaria. Na Lei Orçamentária de 2005, as atividades do Centro de Tradições Populares de Sobradinho - como, por exemplo, a festa do Bumba Meu Boi - ficam com R$ 50 mil e a Festa Junina ganha R$ 100 mil. Já o Porão do Rock recebe R$ 70 mil e a construção do Clube do Choro leva R$ 10 mil.

A bancada evangélica conta com o auxílio insuperável de Junior Brunelli (PP). Evangélico, o filho do missionário fundador da Igreja Tabernáculo Evangélico de Jesus (ITEJ) - também conhecida como Casa da Bênção -, quer patrocínio oficial, por exemplo, para a realização da Festividade P-norte para Cristo (R$ 200 mil), para o Congresso Mais que Vencedores (R$ 150 mil), para o Congresso das Mulheres Virtuosas (R$ 150 mil) e para a Convenção da Igreja Cruzada Cristã Pentecostal (R$ 10 mil). Sem se esquecer de sua base, ainda reservou R$ 340 mil para a Convenção Mundial da ITEJ, igreja fundada há 40 anos por seu pai, Doriel de Oliveira.

- Apresentei a emenda e não vejo problema nenhum. Trabalho para um segmento que me elegeu - respondeu, por meio de sua assessoria.

O parlamentar justifica os auxílios, dizendo que alguns congressos funcionam como ação global: quem comparece tem direito a consultas médicas, corte de cabelo gratuito e até conselhos de advogados.

O deputado Leonardo Prudente (PFL), ligado à Igreja Sara Nossa Terra, é autor da lei que inclui as Celebrações de Inverno no calendário de eventos oficiais. Com sua ajuda, a igreja recebeu R$ 350 mil para a realização dessa festa, no Ginásio Nilson Nelson, no ano passado. O orçamento de 2005 propõe R$ 690 mil. Dinheiro que tem retorno, conforme o distrital.

- Essas atividades não se limitam ao público interno da igreja. Há gente que vem de todos os Estados do Brasil e que ocupam os hotéis, usam restaurantes e fazem compras no shopping, o que dá dinheiro à cidade. Além disso, há a própria questão cultural, já que tem músicas, danças, teatro.

Entre as emendas voltadas para os católicos, a maior verba é de R$ 350 mil para ''realização de eventos culturais e religiosos católicos''.