Título: Da retórica à prática
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 14/03/2005, Opinião, p. A10

Ao dar continuidade à exaustiva sucessão de ensinamentos públicos, sempre recheada de metáforas, o presidente Lula observou, em discurso na reunião do Conselho de Desenvolvimento Eco nômico e Social (CDES), que em ano pré-eleitoral - como 2005, por exemplo - há uma ''tendência natural'' dos governantes a gastarem o que não têm. Chamou a prática de ''farra do boi''. Com tal atitude, afirmou Lula, imaginam que ganharão as eleições, deixando a dívida para outros. ''Isso aconteceu muitas vezes na história do Brasil e nós não queremos repetir esses erros'', completou. Se a declaração não servir tão-somente para engordar a já extensa lista de promessas presidenciais, o discurso de Lula constitui um alívio para aqueles que têm se preocupado com a amplidão dos gastos públicos promovidos pelo governo federal. Afinal, depois de um primeiro ano de contenção nas despesas, o Palácio do Planalto avançou o sinal da prudência e afrouxou o cinto das contas da União.

A retórica, portanto, não tem sido acompanhada da prática. Na mesma reunião do CDES, o chefe da Casa Civil, José Dirceu, admitiu o aumento dos gastos. As despesas do Tesouro Nacional passaram de R$ 13, 2 bilhões em janeiro do ano passado para R$ 15 bilhões no mesmo período em 2005. Não é demais reafirmar: a conta é repassada para os cidadãos, por meio da elevação crescente dos impostos. A gula tributária abocanha mais de um terço de tudo o que o país produz. Somente com a folha de servidores, decorrente reajustes e contratações diversas, a conta repassada para o contribuinte deve aumentar R$ 12 bilhões em relação ao 2004.

A conta dos gastos também é maior nos programas sociais, fatura reconhecida pelo próprio José Dirceu - ainda que Lula tenha se utilizado de um raciocínio rarefeito para justificar a suposta ''gastança'' nos programas sociais. Para o presidente, gasto na área social precisa ser visto como investimento e é um ''erro sociológico'' não fazer essa análise. Lula considera que dinheiro para a população mais pobre, como o do Bolsa-Família, ''é um dos mais preciosos investimentos deste país'' pelos notáveis efeitos multiplicadores.

Seja lá o que signifique ''erro sociológico'', trata-se de um desvio maroto do debate. Há três pontos mais relevantes a discutir. Primeiro: de nada adianta esconder os gastos sob o guarda-chuva dos ''preciosos investimentos sociais'' se esses recursos não chegam aos mais pobres. Em outras palavras, ou é gasto eficiente ou não é. A regra vale para a saúde, para a educação ou qualquer área governamental. Segundo: boa parte da gula gastadora do Estado encontra-se na folha de pessoal do governo, em geral recheada de petistas e aliados. Terceiro: são os pobres os maiores penalizados por uma política de gastos expansionista. Segue-se, afinal, uma rota perversa: sustenta-se um Estado gastador, forjado por uma burocracia pesada e ineficiente, por meio de mais impostos ou admitindo um aumento da inflação para seguir o roteiro das despesas infladas. Dos dois modos, perde o país.

Contra tais equívocos, só mesmo o governo passar da retórica à prática e frear o ímpeto gastador que lhe tomou os esforços de 2004. Em anos que antecedem as eleições, como sugeriu o próprio presidente, os riscos são maiores. Convém ficar atento.