Correio Braziliense, n. 21159, 30/04/2021. Política, p. 3

 

Vale-tudo contra investigação

Augusto Fernandes

Ingrid â€‹Soares

30/04/2021

 

 

Integrantes da CPI da Covid relatam que governo tem tentado, de todas as formas, prejudicar o trabalho da comissão. Titular do colegiado, senador Otto Alencar diz sofrer perseguição nas redes sociais por parte de apoiadores do Planalto, com ameaças de morte

Com o governo em minoria na CPI da Covid e sendo bastante criticado por senadores que vão investigar eventuais omissões do Executivo no enfrentamento à pandemia, alguns dos integrantes do  colegiado têm relatado uma espécie de perseguição nas redes sociais por parte de apoiadores do  presidente Jair Bolsonaro.

Um deles é Otto Alencar (PSDBA), que conduziu a sessão de abertura da CPI na terça-feira. O senador disse já ter recebido mais de 500 mensagens no próprio WhatsApp, enviadas  de números de diferentes estados, desde que foi escolhido para compor a comissão. Algumas  delas, inclusive, com ameaças de morte e mirando até a família do parlamentar. Apesar disso, ele afirmou  que não vai se deixar levar pelas ofensas. “Elas não me intimidam nem nunca impedirão o meu trabalho”, destacou.

Esse tipo de atitude é avaliada por Alencar como mais uma forma de o governo tentar impedir o  funcionamento da comissão. Ele preferiu não acusar o Executivo de patrocinar quem está  intimidando os membros da CPI, mas disse estranhar a ação em peso dos bolsonaristas, o que dá  margem à interpretação de que Bolsonaro pode ter algo a esconder. “Quem trabalha sério e com  lisura não teme”, frisou. O relator da comissão, Renan Calheiros (MDB-AL), também virou alvo de ataques nas redes sociais desde que foi indicado para a função.

Não bastasse a perseguição feita por apoiadores do presidente na internet, senadores da comissão ainda reclamam de outra manobra do governo para dificultar o andamento da investigação:  os requerimentos apresentados ao colegiado que teriam sido produzidos em computadores do  Palácio do Planalto para convocar cinco especialistas destinados a criticar lockdown e defender o  tratamento precoce contra a covid-19.

Vice-presidente da comissão, Randolfe Rodrigues (Rede-AP) ponderou que os integrantes da comissão não vão admitir que os trabalhos sofram interferências ou intervenções externas. “CPIs são  poderes de investigação do Parlamento. Neste caso, do Senado Federal.

CPI tem por determinação inquirira busca da verdade. Seja onde a verdade estiver, nós a  procuraremos”, ressaltou. “Não vamos atuar conturbando esta CPI. Em homenagem aos mais de 400  mil brasileiros que perderam a vida, nós não temos o direito de fazer isso.”  Riscos  Na avaliação do cientista político Murillo Aragão, da Arko Advice Pesquisas, é cedo para dizer  se a tática adotada pelo governo surtirá efeito. Ele afirmou, contudo, que os arroubos acabam por  acirrar ainda mais os ânimos na Esplanada.

“Bolsonaro e equipe deveriam atuar para acalmar o ambiente em vez de serem agressivos. Os impactos ainda estão indefinidos e dependerão dos resultados da pandemia no segundo semestre, do aumento da vacinação  e da diminuição dos óbitos. O que vai definir o grau de periculosidade da CPI será o desenrolar da  covid-19 no país”, comentou.

O cientista político Ricardo Ismael, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de  Janeiro (PUC-Rio), acrescentou que o fato de o senador Renan Calheiros (MDB-AL) ser o relator da  CPI preocupa o Planalto. Por isso, o staff do presidente tenta mobilizar a “tropa de choque” do  governo no Congresso e nas redes sociais a pressionar a comissão para tentar atrapalhar o andamento das reuniões e desviar o foco das investigações para governadores e prefeitos.

“O Planalto não vai deixar correr solto. Se vai trazer algum resultado concreto, só o tempo dirá,  mas que não ficarão parados, está claro. De um lado, há internautas bolsonaristas indo para o  ataque nas redes sociais, tendo Renan como alvo e fazendo de tudo para deslegitimar a comissão.  De outro, na CPI, a ação ocorre com os integrantes governistas, que fazem confusão sobre qualquer  tema”, observou.