Correio Braziliense, n. 21160, 01/05/2021. Política, p. 4

 

CPI avalia passeios de Bolsonaro

Bruno Lima

Renato Souza

01/05/2021

 

 

Intenção da comissão parlamentar é verificar se o comportamento do presidente contra as medidas de isolamento tem relação com o agravamento da pandemia do novo coronavírus. Chefe do Executivo circula e causa aglomerações desde o início da crise sanitária

Na primeira fase de uma série de ações que vai investigar a atuação do presidente Jair Bolsonaro na pandemia do novo coronavírus, a CPI da Covid pretende mapear os passos do chefe do Executivo pelo Distrito Federal. Enquanto cientistas, médicos e entidades globais pediam restrição na circulação de pessoas e distanciamento social, o mandatário percorria a capital do país, provocava aglomerações e violava orientações sanitárias. As atitudes visavam confrontar governadores e prefeitos que adotaram medidas para contenção do vírus.

No início da pandemia, em março de 2020, enquanto o então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, enfatizava a orientação de não sair de casa sem necessidade, Bolsonaro convocava a população a comparecer às ruas para defender o governo. Às vésperas da manifestação de 15 de março, que levou milhões às ruas nos estados e no DF, o presidente usou as redes sociais para estimular a participação dos apoiadores. No dia do ato, desceu a rampa do Planalto para, sem máscara, cumprimentar os eleitores e tirar selfies. Ele tinha acabado de voltar de uma viagem aos Estados Unidos, em que metade da comitiva terminou infectada pelo vírus, mas Bolsonaro, mesmo contactante, desrespeitou a orientação de isolamento.

Na contramão do que pregava o presidente, estados e municípios adotavam ações restritivas contra a covid-19, o que irritava o chefe do Planalto. "Há certos governadores que estão tomando medidas extremas, que não competem a eles, como fechar aeroportos, rodovias, shoppings e feiras", disse, ao anunciar uma medida provisória para conter as iniciativas dos gestores. O caso foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF), que deu autonomia aos entes federativos para agir contra a doença, mas sem tirar a responsabilidade da União no enfrentamento do vírus.

Para marcar posição, Bolsonaro continuou saindo às ruas e mantendo contato direto com apoiadores. Só nos dois primeiros meses de combate à covid-19, quando a orientação já era por isolamento, ele fez mais de 60 aparições que culminaram em aglomerações. As cenas se repetiram em julho, auge da primeira onda da pandemia.

Em 26 de dezembro, quando o país enfrentava situação dramática, Bolsonaro passeava novamente pela capital do país. No Sudoeste, bairro nobre de Brasília, provocou aglomeração, circulou sem máscara e pegou crianças no colo. Duas semanas depois, começava o drama de Manaus, que enfrentou a crise da falta de oxigênio nos hospitais e postos de saúde, resultando na morte de dezenas de pessoas.

Não demorou para que o problema chegasse a outros estados, como São Paulo e Minas Gerais. Alvo de protestos e panelaços, Bolsonaro, mesmo assim, saiu às ruas sem máscara em 24 de janeiro. A aparição mais recente foi na semana passada, quando esteve em Ceilândia e visitou a feira da cidade, local de maior concentração de pessoas na região administrativa mais populosa do DF.

Responsabilidade
As saídas de Bolsonaro são alvo de requerimento aprovado pelos senadores da CPI. O pedido foi feito por Eduardo Girão (Podemos-CE), aliado do governo. Ele sugeriu que sejam requisitados registros dos deslocamentos do presidente pelo comércio do DF e Entorno desde 1º de março do ano passado. A ideia é verificar se o comportamento contra as medidas de isolamento, de fato, tem relação com o agravamento da pandemia.

Na avaliação de Walter Cintra, gestor de saúde pública e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), a conclusão é óbvia. "As ações diretas e indiretas de Bolsonaro são responsáveis pela morte de centenas de milhares de brasileiros", opinou. Além do comportamento que provocou "dúvida na população, prejudicando a aderência às medidas de proteção", Cintra mencionou a defesa de medicamentos sem eficácia comprovada e a politização da vacina.

"Bolsonaro agiu diretamente para promover compra e distribuição de medicamentos que não só não tratam a covid, como também causam reações adversas e, inclusive, morte de pacientes", destacou.
Acácio Miranda da Silva, mestre em direito penal internacional pela Universidade de Granada, na Espanha, afirmou que a conduta de Bolsonaro pode tanto ser tipificada penalmente quanto como crime de responsabilidade. "É possível correlacionar com o crime que está previsto no artigo 268 do Código Penal de propagar vermes ou doenças patogênicas: sair sem máscara, gerar aglomeração", frisou. "Mas, se tratando do presidente da República, também é possível pensar em eventual crime de responsabilidade."