Correio Braziliense, n. 21160, 01/05/2021. Brasil, p. 7

 

Negacionismo no país dos 400 mil mortos

Alexia Oliveira

João Vítor Tavarez 

01/05/2021

 

 

No país onde a covid matou 400 mil vidas, muitos governos tentam conter o avanço da pandemia. Mas prosseguem as festas clandestinas, o uso irregular de máscaras de proteção e, sobretudo, a ideia de que a doença é "invenção da China" ou que "não existe". Uma pesquisa realizada em abril deste ano aponta que sete em cada 10 brasileiros conhecem alguém que morreu pela doença.
Em São Paulo, um dos estados com recordes de casos de covid no Brasil, as forças de segurança pública contabilizaram 2.475 autuações por funcionamento irregular de comércios e festas clandestinas. Isso entre março e abril deste ano – mês em que as mortes totais quadruplicaram no país. No Rio Grande do Sul, dados de Segurança Pública locais registraram, em 6 de março, 708 ocorrências de pessoas que ignoravam a gravidade da pandemia. O que inclui a realização de qualquer evento que promova aglomerações e, consequentemente, a circulação do novo coronavírus.

A farmacêutica e presidente do Conselho de Farmácia do DF (CRF-DF) Gilcilene Chaer, 46 anos, é uma das pessoas que luta contra o negacionismo em relação à covid-19. Ela explica que a visão negativa da população tem forte influência política. "Esse negacionismo começou com políticos dos Estados Unidos e se propagou para o Brasil, que, também por razões políticas e ideológicas, não acreditaram e ainda continuam negando a doença apesar de todas as mortes já contabilizadas", lamenta.

A presidente do CRF-DF também destaca os jovens entre os que mais negligenciam a doença. "Os jovens negligenciam a doença porque os mais acometidos, em um primeiro momento, foram os idosos e portadores de comorbidades, como obesidade, diabetes e hipertensão. Outro fator preponderante é a crise econômica que está levando trabalhadores e empresários ao desespero, que, necessitando trabalhar acabam por passar por cima das medidas, comprovadamente, eficazes na prevenção da covid-19", explica.

O negacionismo em relação à covid-19 tem afetado diretamente no controle da pandemia, tanto no Brasil como mundo afora. O colapso na saúde pública brasileira e o elevado número de mortes são apenas alguns dos resultados que a população sofre por conta do descontrole ao seguir as normas de segurança.

Para a farmacêutica Gabriela Freitas, 25 anos, que atua na linha de frente contra a covid em Unidade de Terapia Intensiva (UTI), no DF, a politização das informações é um dos fatores que têm interferido no trabalho dos profissionais da saúde. "Acredito que hoje, por existirem muitas fontes de informação, as pessoas tenham dificuldade de identificar o que é verdadeiro ou não, além da politização de questões que deveriam ser relacionadas exclusivamente à saúde e à ciência. O Brasil sofreu muito com influências ruins nesse contexto, quando pessoas com grande visibilidade mostram descrença em algo é muito difícil de fazer com que a população que não possui um conhecimento técnico na área da saúde enxergue de maneira diferente", cita.

Gabriela ainda deixa um alerta para que a população não caia em descrédito e orienta para que as medidas de restrição contra o vírus sejam seguidas corretamente. "Evitem aglomeração sempre que puderem, se isolem quando houver algum sintoma, busquem informações em fontes confiáveis e se cuidem, pois a melhor opção é não pegar o vírus", aconselha.