Correio Braziliense, n. 21161, 02/05/2021. Economia, p. 6

 

Senado foca em projeto para repatriar recursos

Marina Barbosa

02/05/2021

 

 

CONJUNTURA » Apesar das atenções voltadas à CPI da Covid, Casa pretende agilizar proposta que permite a brasileiros com dinheiro não declarado no exterior trazer os montantes para o Brasil sem comprovar a origem. Entre 2016 e 2017, medida facilitou a entrada de R$ 174,5 bi no país

Mesmo com as atenções voltadas para a CPI da Covid, o Senado pretende continuar avançando em medidas econômicas que possam ajudar o país a superar a pandemia. E um dos projetos que o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), quer colocar em pauta é o que abre uma nova janela para a repatriação de recursos que são mantidos no exterior e não foram declarados à Receita Federal.

O projeto da repatriação de recursos foi apresentado pelo próprio Pacheco e está sendo relatado pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL) — também relator da CPI da Covid. A ideia é seguir a mesma lógica do Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT), lançado em 2016 e 2017 pelos então governos de Dilma Rousseff e Michel Temer, que permitiu a regularização de R$ 174,5 bilhões e gerou uma arrecadação de R$ 52,5 bilhões para o Executivo.

O RERCT seguiu um movimento global de repatriação de recursos àquela época e propôs que os brasileiros regularizassem recursos, bens e direitos adquiridos de maneira lícita e que eram mantidos no exterior, mas não haviam sido declarados ou foram declarados incorretamente para a Receita Federal. A regularização era de caráter voluntário, feita por meio da apresentação de uma Declaração de Regularização Cambial e Tributária (Dercat).

Para incentivar a regularização dos recursos que estavam longe dos olhos do Fisco, o governo permitiu que fosse feita mediante o pagamento de impostos, multas e juros menos pesados do que aqueles que são cobrados em caso de comprovada irregularidade. Ainda assim, o Executivo arrecadou R$ 52,5 bilhões com o programa. Desse montante, 46% foram para os estados e municípios, e os outros 54% ajudaram a abater parte dos restos a pagar que pressionavam o rombo das contas públicas do governo central.

É com esse mesmo intuito de aumentar a arrecadação do governo, que acumula um deficit primário histórico de R$ 759,5 bilhões por conta dos gastos exigidos pela crise sanitária, que Pacheco propôs a reabertura do programa de repatriação de recursos. “Diante deste cenário incerto e da atual conjuntura econômica, tão penalizada pela pandemia da covid-19, é razoável admitir a concessão de prazo para novas adesões ao RERCT, tendo em vista, especialmente, a importante arrecadação de valores que a reabertura do prazo possibilitará em tempos de grave crise financeira no país”, justifica o projeto de lei apresentado pelo Presidente do Senado.

O texto também defende que o potencial de arrecadação da medida é substancial, visto que a primeira edição do RERCT causou muitas dúvidas e, por isso, acabou afastando alguns contribuintes que poderiam aderir ao programa. De acordo com Anderson Cardoso, especialista em direito tributário do escritório Souto Correa Advogados, os contribuintes temiam que a Receita Federal usasse os dados dos recursos repatriados para aplicar outras multas. E essa insegurança só aumentou em 2019, quando, dois anos depois da repatriação, o Fisco mudou as regras do programa para que esses contribuintes tivessem, em algumas situações, de comprovar a origem dos montantes repatriados, o que não era exigido pela lei original.

Supremo

O impasse acabou no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), que, neste ano, formou maioria para manter o sigilo fiscal dos recursos repatriados pelo RERCT. O relator do caso, ministro Luís Roberto Barroso, justificou o voto dizendo que a medida não diminui a transparência no combate à corrupção e à lavagem de dinheiro.

“A insegurança sobre os possíveis efeitos da repatriação fez com que muitos brasileiros não aderissem ao programa. Mas, agora, o Supremo trouxe mais segurança jurídica à questão, garantindo que as informações prestadas serão usadas única e exclusivamente para a adesão ao programa, isto é, não serão usadas em nenhuma outra penalidade, decorrente de um eventual compartilhamento de informações”, avalia Cardoso.

Para evitar novas dúvidas, o projeto de Pacheco reza que a comprovação dos recursos repatriados só será exigida quando houver indícios de irregularidades: “O contribuinte que aderir ao RERCT deverá identificar a origem dos bens e declarar que eles têm origem em atividade econômica lícita, sem obrigatoriedade de comprovação. Assim, o ônus da prova de demonstrar que as informações prestadas são falsas recai, em qualquer tempo, sobre a Receita Federal. Para intimar o contribuinte, a RFB deve demonstrar a presença de indícios ou de outros elementos diversos dos constantes da declaração que levem à conclusão acerca de sua falsidade”.

Câmbio

Especialistas também apontam outros fatores que podem contribuir com a adesão ao programa. Entre os quais, o intervalo de quase quatro anos decorrente desde o último RERCT; a impossibilidade de muitos brasileiros usarem ativos, como imóveis, no exterior neste período de pandemia; e a alta do dólar, que estava perto de R$ 3,20 em 2017 e, agora, é negociado por volta de R$ 5,40.

“A primeira janela do RERCT teve uma adesão muito grande. Já a segunda foi pífia, o que poderia sugerir que um terceiro RERCT não faria sentido, mas o timing da segunda janela não foi adequado, porque ocorreu muito perto da primeira e, àquela época, ainda havia dúvidas sobre as anistias tributárias”, explica o diretor da FB Capital, Fernando Bergallo. “Além disso, agora o cenário é outro em relação ao dólar. Se você tinha US$ 100 mil em 2017 e trouxe para o Brasil, teve R$ 320 mil. Hoje, vai ter R$ 540 mil. Então, a repatriação pode ser uma chance de o cliente realizar esse lucro.”

Segundo Bergallo, “é uma conjunção de fatores que cria uma janela de oportunidade muito boa, até porque o dólar não vai ficar nesse patamar para sempre e está cada vez mais difícil esconder o patrimônio no exterior, com o avanço das normas de compliance e combate à corrupção”.

Cardoso destaca que quem optar por manter recursos de forma ilegal no exterior pode estar sujeito a duras multas, processos administrativos e até investigações criminais, como a de evasão de divisas, pelo não recolhimento de tributos. Por isso, diz que o programa é uma boa chance de regularizar esses ativos. “Não há problema em manter ativos no exterior, desde que a pessoa faça a declaração e pague os tributos devidos.”