Título: Aborto: permissão não tem valor legal
Autor: Luiz Orlando Carneiro
Fonte: Jornal do Brasil, 11/03/2005, País, p. A4

O presidente do Supremo Tribunal Federal, Nélson Jobim, esclareceu ontem que resoluções do Conselho Nacional de Saúde referentes à interrupção de gravidez - em casos de feto sem cérebro ou naqueles em que o aborto não constitui crime, segundo o Código Penal - não têm validade de norma jurídica. Alertou para o fato de que normas aprovadas por conselhos, mesmo presididos por ministros, não garantem impunidade a quem provoca ou pratica o aborto, conforme o Código Penal.

O esclarecimento foi feito por Jobim ao ser indagado sobre uma resolução aprovada anteontem pelo CNS que ''aprova o direito de opção esclarecida e informada à antecipação terapêutica do parto no caso de gravidez de fetos anencéfalos'', e também sobre uma outra resolução que permitiria a gestantes atendidas pelo SUS se submeterem ao aborto, no caso de gravidez resultante de estupro, sem necessidade de apresentação do boletim de ocorrência policial.

A assessoria de comunicação do CNS explicou que a resolução aprovada anteontem pelo plenário (27 votos a três) sobre fetos anencefálicos vale como uma ''fixação de posição''. O conselho tomou o cuidado de ''reafirmar que o STF é a instância com legitimidade democrática para se pronunciar sobre essa questão''. A resolução atribui ainda ao Ministério da Saúde ''a responsabilidade de ações que visem a prevenir a anencefalia, como a oferta de ácido fólico no período pré-gestacional e a inclusão do ácido nos insumos alimentícios''.

O STF deve julgar em abril a ação proposta da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde para que a ''interrupção da gravidez'' em gestantes portadores de fetos anencefálicos não seja equiparada ao crime de aborto.

Jobim afirmou também que a norma do Ministério da Saúde autorizando médicos do SUS a fazer aborto em mulheres que aleguem ter engravidado após estupro mesmo sem boletim de ocorrência não tem valor.

- Não tem valor ato do Executivo, dizendo que determinado assunto não tem conseqüência jurídica - disse Jobim, acrescentando que só lei ou decisão do Judiciário dá esse tipo de garantia aos cidadãos.

O Código Penal inclui o aborto entre os crimes contra a vida e prevê duas exceções, nos casos de estupro e risco de vida à mulher. Uma norma do Ministério da Saúde, de 1998, exigia a apresentação do boletim de ocorrência para aborto na rede pública na primeira hipótese.

Os médicos e demais profissionais de saúde que seguirem a nova orientação do ministério podem ser enquadrados no artigo 126 do Código Penal, que prevê de um a quatro anos de prisão para os condenados.

O Planalto não quis se manifestar sobre a norma do Ministério da Saúde.