O Globo, n. 32045, 02/05/2021, País, p. 9

 

Bolsonaro sobrevoa ato com ataques ao STF

Jussara Soares

Leandro ​Prazeres

02/05/2021

 

 

A manifestação pró-governo foi marcada por pedidos de intervenção militar e 'expurgos' ao Legislativo e ao Judiciário; o deputado Eduardo Bolsonaro cumprimentava simpatizantes e até falava em carro de som
O presidente Jair Bolsonaro voou ontem de helicóptero em manifestação de apoio ao seu governo e com apelos à intervenção militar e "expurgos" nos poderes legislativo e judiciário. O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), seu filho, compareceu ao ato para cumprimentar manifestantes e até falou em um carro de som.

Atos semelhantes também foram realizados em outras capitais do Brasil. Durante a manifestação, o slogan repetido pelos militantes foi a frase "Eu autorizo", em alusão a uma suposta "autorização" para o presidente acionar as Forças Armadas e desencadear uma intervenção militar - o que seria inconstitucional. A manifestação em Brasília começou na madrugada com concentração próxima ao Museu da República, a pouco mais de um quilômetro do Palácio do Planalto. Os manifestantes fizeram uma carreata pela esplanada dos ministérios e se concentraram em um gramado próximo ao Congresso Nacional. Por volta das 10h, Bolsonaro sobrevoou o local em um helicóptero da Força Aérea Brasileira (FAB) e foi recebido por manifestantes. Um vídeo do interior do helicóptero circulou entre apoiadores do presidente. O Ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, também estava dentro da aeronave. Ao longo do ato, os militantes exibiram cartazes convocando a intervenção militar e os expurgos (cassações) de deputados, senadores e membros do Judiciário. Eles também empunharam pedidos de impeachment de ministros do STF e bandeiras de apoio ao governo Bolsonaro.

INQUÉRITO NO STF

A prática de atos antidemocráticos já está sujeita a investigação no Supremo Tribunal Federal (STF), a pedido do Ministério Público da República (PGR). A investigação começou com uma manifestação realizada no dia 19 de abril de 2020 em frente ao Quartel-General do Exército, em Brasília, para a qual Bolsonaro chegou a comparecer e falar. Foi o início da pandemia Covid-19.

E em mais um ato contra o STF, realizado no dia 31 de maio do ano passado, Bolsonaro também sobrevoou de helicóptero a esplanada dos ministérios e, sem usar máscara, causou aglomeração em frente ao Palácio do Planalto.

A manifestação de ontem contou com a presença da deputada federal Caroline De Toni (PSL-SC), que é uma das investigadas na apuração de atos antidemocráticos. Caroline fez a transmissão ao vivo do evento nas redes sociais. Manifestações pró-governo também foram realizadas em várias outras capitais, como Rio, São Paulo, Salvador e Belo Horizonte. No Rio, os partidários do presidente chegaram em mapé e em carreata na orla de Copacabana, onde se concentraram. Eles exibiram faixas em protesto contra o Supremo. Em um deles, chamaram o tribunal de "organização criminosa". Acompanhados de um carro de alguns vestidos de verde e amarelo, os manifestantes caminharam por uma das pistas da Avenida Atlântica, em direção ao leme. Em São Paulo, manifestantes a favor do Bolsonaro se reuniram na Avenida Paulista. O grupo se concentrou em frente ao prédio da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) a partir das 10h. Além de gritarem slogans a favor do presidente, os manifestantes criticaram as medidas de prevenção do governador João Doria (PSDB) e Covid, embaladas com slogans como "Eu autorizo", sob o comando da deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP). Atos também ocorreram em capitais como Porto Alegre, Fortaleza, Goiânia e Belém.

Após as manifestações, Bolsonaro publicou em uma rede social um vídeo do ato na Avenida Paulista, com intensa aglomeração. "Devemos lealdade a você", escreveu o presidente.

Pouco mais de um mês após sua renúncia ao cargo de chanceler, Ernesto Araújo fez, ontem, uma série de postagens em uma rede social criticando a gestão do presidente Jair Bolsonaro. Segundo o ex-chanceler, o governo de Bolsonaro transformou-se em uma "administração tecnocrática ideal e desalmada". Ernesto Araújo renunciou após meses fritando por conta da condução da política internacional do país durante a pandemia de Covid-19. Parlamentares de vários partidos e Em especial, do chamado Centrão, pressionou o governo para que Ernesto fosse substituído, que no dia 29 de março, em meio ao desgaste, renunciou.

Em suas postagens, o intercambista afirma que o governo do presidente Bolsonaro teria feito "avanços", mas a "esperança" teria começado a se "desmantelar" por conta de uma suposta reação do "sistema". Ernesto criticou as tentativas do governo de construir uma base parlamentar, o que teria dado mais poderes ao Centrão, justamente um dos responsáveis ​​pela pressão para sua renúncia.

"Um governo popular, ousado e visionário foi transformado em uma administração tecnocrática sem alma ou ideal. Eles comprometeram o coração do povo ao sistema. O projeto de construção de uma grande nação diminuiu no projeto de construção de uma base parlamentar," diz um dos posts.

Em tom crítico, Ernesto disse que as privatizações e a aprovação de reformas, duas das principais agendas do governo Bolsonaro, não seriam suficientes para promover uma mudança no país. "Leilões, privatizações, reformas tributárias e administrativas? Se a essência do sistema não for combatida, serão reformas 'Gattopardo': mudanças para que tudo continue igual. Nenhuma 'articulação política' mudará o Brasil. Só a pressão popular", afirmou. Escreveu Ernesto, aludindo ao livro "Il Gattopardo" ("o leopardo"), do escritor italiano Giuseppe Tomasi de Lampedusa.

Apesar das críticas, Ernesto diz que continua apoiando o Bolsonaro. "Muitos desprezam o sonho do RP de mudar o Brasil. Eu, ao contrário, sempre acreditei, sempre estive e estarei com ele em seu amor pela liberdade e em sua luta para libertar o povo de um sistema opressor. Com o apoio popular I tenho certeza que ele terá a força necessária para vencer ", afirmou.As postagens foram feitas no mesmo dia em que ativistas pró-presidente fizeram manifestações em várias cidades do país, como Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo.