O Globo, n. 32045, 02/05/2021, Sociedade, p. 16
Corte de Vacina nacional
Giuliana Toledo
Suzana Correa
02/05/2021
Projetos alertam sobre falta de financiamento federal
O caso mais emblemático é o da Versamune, pesquisado pela USP De Ribeirão Preto e a startup Farmore, com recursos privados e do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Seu pedido de estudos clínicos junto à Anvisa foi registrado no dia 25 de março, horas antes do ButanVac, no dia 26. O candidato acabou ganhando entrevista coletiva concedida às pressas pelo ministro Marcos Pontes após evento do Butantan com o governo de São Paulo. Desde o final de março, no entanto, os recursos para estudos humanos diminuíram para o Versamune. Uma emenda no orçamento que garantiria RR 200 milhões para isso foi vetada por Bolsonaro na semana passada, um dia depois de o presidente receber pontes e divulgar o projeto imunizante em seu show semanal. Farmore não comenta o veto nem explica como o projeto vai proceder diante desse corte.
Em nota, a empresa afirma que continua se preparando para as Fases 1 e 2 dos testes em voluntários, que aguardam a aprovação da Anvisa para serem iniciados. Procurado, o ministério não respondeu como vai manter o financiamento. Os R $ 200 milhões são uma espécie de "número mágico" também para dois outros promissores projetos de vacinas no país: o da UFMG com a Fiocruz Minas), liderado pelo imunologista Ricardo Gazzinelli, e o da USP em parceria com a Unicamp e Unifesp, sob comando do imunologista Jorge Kalil. Ambos encontraram resultados animadores até o momento em testes em animais e calcularam que precisariam desse valor do governo federal para avançar com estudos em humanos nos próximos meses. A parceria entre a gestão de Marcos Pontes e esses pesquisadores acontecem por meio da Rede de Vírus,A AButanVac, vacina candidata Covid-19 pesquisada pelo Instituto Butantan e um consórcio internacional, é uma exceção na trajetória dos estudos brasileiros de imunização para conter a pandemia. Enquanto aguarda o aval da Anvisa para iniciar os testes em humanos e, a princípio, não enfrenta dificuldades de financiamento (os números não são revelados pelo Butantan, ligado ao governo de São Paulo), outros projetos no país contam com recursos federais que nem mesmo sabem se eles existirão.
'O GOVERNO DEVE AGIR'
O corte nos recursos da Versamune deixou os pesquisadores da vacina covid-19 no país em alerta. Preocupados com o investimento federal incerto, eles recorrem a outras fontes de financiamento. Na quinta-feira, o projeto da UFMG com a Fiocruz Minas recebeu R $ 3 30 milhões da cidade de Belo Horizonte para a realização dos primeiros testes em humanos. Em nota, a instituição registrou alívio por parte do apoio municipal e afirmou que, sem ele, a pesquisa poderia ser paralisada. - O setor privado é cauteloso quanto aos riscos. Em todo o mundo, esses estudos dependeram de investimentos governamentais. Aqui, o governo deveria atuar mais nessa questão - diz Gazzinelli.
Kalil, que espera iniciar os estudos humanos no segundo semestre, diz que chegou a conversar com o próprio presidente sobre a importância dos recursos. - É uma preocupação. Tenho que falar com o presidente Bolsonaro sobre isso. Quem me financiou o tempo todo foi a Rede de Vírus, e o Ministério da Ciência e tecnologia está fazendo um grande esforço para conseguir esse dinheiro. Ele havia conseguido R $ 200 milhões para Ribeirão Preto, e o presidente chegou e vetou. Isso não é um bom sinal, mas estamos sempre lutando - diz Kalil, que com equipes das três universidades paulistas projeta uma vacina em spray nasal.
17 DESIGNS, PEQUENO RECURSO
Segundo o Ministério da Saúde, o país tem hoje pelo menos 17 vacinas contra a Covid-19 em estudo. O globo procurou por todos os grupos responsáveis. Butanvac e Versamune são os únicos que já solicitaram à Anvisa a autorização para testes em humanos. A maioria dos projetos, portanto, está em fase de estudos em animais. Se bem-sucedidas, as propostas podem atingir o estágio humano nos próximos meses. Todos expressam preocupação com a falta de recursos para essa etapa, a mais cara e longa, já que deve envolver milhares de voluntários. Embora vacinas como CoronaVac, Astrazeneca e, mais recentemente, Pfizer já estejam disponíveis no Brasil, os cientistas enfatizam a importância da produção nacional. Uma vacina brasileira representa menos custos de importação e compra, bem como maior adaptabilidade às variantes locais e disponibilidade de doses, o que pode ser estratégico se a proteção contra a Covid, assim como contra a gripe, tiver que acontecer anualmente. - Precisamos ter conhecimento para sair do laboratório e chegar ao estágio clínico. Então temos o obstáculo de entrar em produção. E vamos precisar do apoio da iniciativa privada para criar indústrias, porque só o Butantan e o Bio-manguinhos não vão contabilizar - conclui Emanuel Maltempi, professor de Bioquímica que coordena as pesquisas de um novo candidato contra Covid na UFPR.
O projeto recebeu na semana passada um aporte de R $ 7 700 mil do Governo do Paraná mas, para as fases com humanos, vai precisar de pelo menos RR 30 milhões, ainda sem previsão.
* Estagiário, sob orientação de Mauricio Xavier