O Estado de São Paulo, n. 46831, 05/01/2022. Economia, p. B2

Como o governo decidiu bancar desoneração sem medida compensatória
Adriana Fernandes
05/01/2022



Intensa articulação jurídica e política marcou os últimos dias de prazo para prorrogar benefício e preservar empregos

Aconselhado por assessores jurídicos, o presidente Jair Bolsonaro (PL) matou no peito e assumiu o risco de ser acusado de crime de responsabilidade e ficar inelegível ao sancionar a lei que desonerou a folha de pagamentos dos 17 setores que mais empregam no País sem ter de compensar a renúncia tributária para o cofre do governo.

Nos últimos dias e horas antes da virada do ano, a articulação política para a sanção da lei e sua publicação teve lances nebulosos, que envolveram a edição de uma medida provisória (MP) abrindo espaço no teto de gastos e até a tentativa de mudança no Orçamento de 2022 depois de aprovado.

Tudo para não ter de elevar impostos para compensar a renúncia tributária como exige a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e cortar gastos para atender à regra do teto, que fixa limite anual para despesas.

Como mostrou o Estadão, a decisão de editar a MP, revogando a necessidade de a União compensar ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) o valor da renúncia, abre R$ 9,08 bilhões de espaço no teto e pode acabar judicializada.

Técnicos do Tribunal de Contas da União (TCU) alertam que o governo teria de ter recalculado o teto desde 2016, quando a regra foi criada. Sem ter de repassar ao INSS, o governo não terá de cortar despesas dando mais folga em 2022. A investida para mudar o Orçamento com um requerimento prevendo a renúncia da desoneração foi revelada pelo relator do relatório de receitas, senador Oriovisto Guimarães (Podemos-pr).

Ao Estadão, o relator conta que foi procurado para apresentar um requerimento alterando o relatório de receitas depois da votação pelo Congresso, o que afirma ter negado fazê-lo. "Eu saí dessa conversa. Se fizeram, cometeram uma ilegalidade do tamanho do mundo", avalia Oriovisto.

O senador diz que o Orçamento foi aprovado sem a previsão da renúncia com a desoneração e que o relator-geral, deputado Hugo Leal (PSDRJ), também não fez a modificação antes da votação.

Mas, afinal, por que a inclusão dessa renúncia no Orçamento era tão importante a ponto de se querer mudar o Orçamento depois da votação?

É que parecer do TCU diz que a compensação não é necessária se o Orçamento considerar a perda de arrecadação na estimativa de receitas. Mas a subchefia para Assuntos Jurídicos (SAJ) da Secretaria-geral da Presidência, do ministro Luiz Eduardo Ramos, justificou a não compensação usando o parecer do TCU com a informação de que a medida foi considerada no "relatório de Estimativa de Receita do projeto de Lei Orçamentária de 2022, feito pelo Congresso".

O imbróglio jurídico em nada muda a lei que prorrogou a desoneração até o final de 2023. Mas, na área econômica, é grande a preocupação de até onde o caso vai parar porque a decisão abriu um flanco a questionamentos jurídicos, inclusive na análise pelo TCU das contas do presidente de 2021.

Entre os técnicos, há surpresa com o aval da SAJ à medida. O Palácio e parlamentares envolvidos permanecem fechados em copas e não responderam à reportagem. O ministério da Economia passou a bola para o Palácio do Planalto.