Título: Lula não pode calar
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 11/03/2005, Outras Opinões, p. A11
A mídia registrou, com compreensível estranheza, o inusitado comportamento do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na cerimônia de batismo do submarino Tukuna, novo orgulho da nossa Marinha, o quarto produzido no Brasil e o quinto da nossa frota: nem leu discurso preparado pela assessoria nem soltou o verbo no improviso da sua preferência. As fotos e imagens nas TVs da cerimônia mostram o presidente à vontade, sem paletó e com o clássico boné comemorativo da grata solenidade enterrado na cabeça. Para compensar a curta greve oratória, o relações-públicas da Marinha leu a mensagem do presidente, curta e enfática.
No mais, bem-humorado e loquaz, acompanhou a cerimônia ao lado de dona Marisa e do vice-presidente e ministro da Defesa, José de Alencar. Durante cerca de 20 minutos percorreu o interior do submarino, brincou com o painel de controle e com os operários.
Se o comedimento verbal do presidente não pode passar em branco, convém parar por aí e não levar a especulação, no embalo da leviandade, a identificar uma mudança de hábitos na correção tática. De logo, certamente que a ocasião não era oportuna. Lula detesta ler textos que outros escrevem para ele. E improvisar para assistência escassa e que conhece seu ofício seria um risco temerário: Lula entende de avião, não de submarino.
No mais, continuará falando uma, duas, três vezes por dia, na forma do costume. Não deve nem pode calar. Pois se há lição que saiba de cor e salteado - com a longa experiência da vitoriosa liderança sindical apurada em quatro campanhas eleitorais, com três derrotas e a consagração por mais de 52 milhões de votos no segundo turno de 2002 - é que a chave do sucesso é a sua capacidade de comunicação com o povo. Nunca, como agora, foi mais evidente a eficácia da tática que sustenta a sua popularidade, em cadência ascendente, em índices acima de 66% em todas as pesquisas, enquanto o desempenho do governo é questionado e a oposição eleva o tom das críticas à barafunda administrativa e às trapalhadas, muitas grotescas, na execução dos raros projetos que ensaiam cumprir as promessas do candidato.
Nem com a unidade do PT conta o presidente para o obsessivo sonho da reeleição em 2006. O racha no partido, com as contradições e os recuos de dois anos e dois anos e meio de mandato, tende a aprofundar-se. A dissidência organizou-se em partido, como solução alternativa para os que não suportarem acompanhar o corso das desculpas e fracassos do governo. O recém-nascido P-Sol oferece, como sugestão a ser examinada na hora certa, a candidatura da brava senadora Heloísa Helena, talvez com excesso de pimenta para o paladar de uma fórmula consensual.
Palpites fora da pauta. A correção objetiva da linha estratégica do candidato à reeleição não deixa dúvida de que o presidente consultou o travesseiro e aterrou na conclusão que acaricia a sua vaidade: ele é maior do que o PT. O seu carisma não foi, não é, talvez não venha a ser arranhado com os tropeços e confusões no balaio governista.
Para sustentar a disparada nas pesquisas, com percentuais superiores ao dobro dos potenciais adversários, precisa falar sempre que tiver diante da boca um microfone e o povo do seu eleitorado para ouvi-lo. E nada de ler mal o que outros escrevem. O improviso sempre foi a sua arma de comunicador intuitivo. O eleitor com que conta para carregá-lo no bis do mandato é o mesmo que juntava multidões nos comícios do ABC. Para falar, em clima de campanha, viaja toda semana, fugindo da chatice de Brasília.
Se algo mudou, foi o inchaço da descrença com o governo (noves fora Lula), da impopularidade do Legislativo em todos os níveis e da repugnância pelo político profissional e pelos partidos. A torre de marfim não protege o Judiciário: lento, ineficiente, distante na sua álgida indiferença com os que batem à sua porta. O Congresso das mordomias e espertezas caiu na vala do xingamento.
Até aqui, Lula errou no atacado e acertou no varejo da sua intuição. Resta saber se terá fôlego para agüentar mais quase dois anos do pífio desempenho do governo. E que não deve melhorar com a maquiagem da troca de alguns hóspedes do cortiço ministerial, sufocado pelo gigantismo e de notória e calamitosa incompetência.