O Estado de São Paulo, n. 46835, 09/01/2022. Notas & Informações, p. A3

Desalento entre os mais jovens
09/01/2022



Se há um grupo que traduz a falta de qualquer perspectiva e de confiança no futuro do País é o dos "nem-nem". Entre brasileiros de até 29 anos, 12,3 milhões não trabalhavam nem estudavam no segundo trimestre de 2021, ou 30,5% da faixa etária, segundo estudo da consultoria IDados com base na Pnad Contínua do IBGE. No primeiro semestre de 2019, eles eram 27,9% do total. O surgimento da pandemia do novo coronavírus agravou a situação dos mais jovens, mas antes mesmo da emergência da covid-19 o porcentual dos "nem-nem" já era expressivo. Em 2012, eles eram 10,6 milhões, ou 25,8% do total. É um contingente que vem aumentando de forma consistente nos últimos anos e que demonstra apatia no momento mais dinâmico e produtivo de suas vidas.

A vulnerabilidade desse grupo se explica por diversas razões, entre elas a baixa escolaridade. Sem emprego nem renda, muitos param de estudar no meio do caminho. "Isso representa uma ineficiência enorme para o Estado, já que muitas dessas pessoas tiveram um investimento público por trás", disse ao Estadão a pesquisadora Ana Tereza Pires, responsável pelo levantamento. De acordo com o presidente da Trevisan Escola de Negócios, Vandyck Silveira, o problema não é a falta de recursos na Educação, mas a má alocação dessas verbas. O pífio crescimento da economia brasileira também explica esse fenômeno. Para empregar todos os jovens que entram no mercado de trabalho, segundo Silveira, o País teria de crescer ao menos 3% ao ano – muito mais que a média anual de 1,4% registrada entre 2017 e 2019, seguida por uma queda de 3,9% em 2020.

Uma análise realizada pela Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Economia de meados de 2021 tampouco trouxe esperança. Ela mostra que jovens com até 29 anos têm menor probabilidade de conseguir emprego com carteira assinada. A falta de experiência, que faz com que sejam preteridos nas seleções, se torna um obstáculo ainda maior em momentos de crise, quando precisam disputar vagas com profissionais qualificados também desempregados. Ainda segundo a SPE, entre os que procuram trabalho há mais de dois anos, metade tem entre 17 e 29 anos, e dois em cada três são mulheres com pouca escolaridade, a quem resta recorrer à informalidade ou permanecer no desalento.

Para o País, esse cenário se reflete em perda de produtividade e de capital humano e diminuiu as já remotas chances de alcançar o nível de desenvolvimento das nações mais desenvolvidas. O porcentual de jovens "nem-nem" deve cair no futuro, não pela melhoria das condições socioeconômicas, mas porque o Brasil deve perder o bônus demográfico – ou seja, haverá mais dependentes, entre idosos e crianças, do que habitantes em idade de trabalho, entre 15 e 64 anos. "Logo, o futuro do País está comprometido pela falta de quantidade e pelo tratamento de baixa qualidade dado à juventude", afirmou o diretor do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV Social), Marcelo Neri.

Mesmo os mais qualificados encontram dificuldades para se colocar no mercado de trabalho, destacou Ana Tereza Pires. Quem termina a faculdade durante uma fase de recessão pode ter reflexos por toda a vida profissional, pois tende a encontrar empregos com salários mais achatados. Não é por acaso que 47% dos jovens de 15 a 29 anos desejam sair do País se tiverem oportunidade, segundo o estudo Atlas das Juventudes, coordenado pela FGV Social. Isso diz muito sobre o presente e o futuro do País.

O impacto da crise sanitária na economia puniu os mais jovens, já que as empresas preferiram manter profissionais especializados. O País precisa adotar políticas públicas adequadas para esse grupo, e não basta reduzir o custo de contratação para tentar amenizar o quadro – uma alternativa que já foi proposta pelo governo e rejeitada pelo Congresso duas vezes nos últimos anos.