Valor Econômico, n. 5233, 22/04/2021. Política, p. A12

 

Depois do Orçamento, próxima missão de ministra é gestão da CPI

Marcelo Ribeiro

22/04/2021

 

 

À frente da Secretaria de Governo há pouco mais de duas semanas, a ministra Flávia Arruda já desarmou uma das bombas que foram colocadas em suas mãos ao chegar ao cargo. Operou para enterrar as possibilidades de o presidente Jair Bolsonaro ceder às pressões de outros auxiliares para vetar trecho do Orçamento que tratava do aumento de emendas parlamentares, o que azedaria a relação do Palácio do Planalto com o Poder Legislativo. Agora, a ministra entra de cabeça em sua segunda missão e tentará consertar as articulações dos governistas na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que vai apurar falhas da gestão federal no combate à pandemia.

As primeiras missões delegadas já lhe renderam um apelido entre antigos aliados do Parlamento. Mal chegou ao posto e já está conhecida como “ministra das causas impossíveis”.

Interlocutores de Flávia avaliam que sua presença nas reuniões sobre a peça orçamentária fez com que o presidente não cedesse às investidas do ministro da Economia, Paulo Guedes, pelo veto do trecho que tratava dos recursos destinados aos redutos eleitorais de deputados e senadores.

Por ter sido a presidente da Comissão Mista de Orçamento (CMO), a ministra conseguiu fazer o contraponto ao chefe da equipe econômica e demonstrar que ele acompanhou as negociações e concordou com os compromissos estabelecidos. Isso contribuiu para que o desfecho do impasse só fosse alcançado após diálogo com o próprio Guedes e com integrantes da cúpula do Congresso. A leitura é que, se Luiz Eduardo Ramos ainda estivesse à frente da pasta, as chances de as vontades do ministro da Economia serem atendidas seriam muito maiores.

Diferenças entre os dois são destacadas por integrantes do Palácio do Planalto. Nas negociações do Orçamento, ela vocalizou o ponto de vista do Congresso levando a Bolsonaro um termômetro do humor das lideranças parlamentares, enquanto Ramos, já na Casa Civil, permaneceu no papel de articulação, mas com a perspectiva do governo.

Reservadamente, a própria ministra já reconheceu “exageros” cometidos pelo relator do Orçamento, Márcio Bittar (MDB-AC). O episódio gerou ruídos e deflagrou embates entre congressistas e a equipe econômica. Mas, após concessões feitas por Bittar, o time de Guedes seguiu resistindo, o que fez com que Flávia apontasse a necessidade de construção de uma saída ouvindo os dois lados.

Ao Valor, Flávia afirmou ver com naturalidade “reajustes e correções de eventuais falhas ou até mesmo subestimativas por conta da pandemia, do momento atípico”. Com o primeiro desafio superado, a ministra tenta consertar a criticada articulação do governo na CPI da pandemia.

Diferentemente do que se espera, sua atuação não deve ser para reverter a indicação de Renan Calheiros (MDB-AL) para a relatoria. O principal objetivo será evitar que o colegiado atribua a crise sanitária exclusivamente a Bolsonaro e ao governo federal e emplacar tese de uma CPI propositiva, que estabeleça medidas e investigue todos os erros, evitando que a comissão vire “uma trama contra o presidente ou palanque para 2022”.

Aliados da ministra no Congresso atribuem sua indicação ao cargo à necessidade de o governo poder dividir responsabilidades na articulação com o Congresso, já que, ao nomeá-la, atendeu a um pedido da cúpula da Câmara, especialmente Lira. Com isso, eventuais tropeços não poderão ser colocados exclusivamente na conta do presidente.

Entre os novos colegas, Flávia é vista como “uma outsider no Planalto”. “Sua chegada ao governo é fruto de uma coalizão. Ela não é do núcleo ideológico, no núcleo militar nem do núcleo político.”

Com pretensões indefinidas para 2022, Flávia tem sido aconselhada a se manter no centro do espectro político, fugindo da polarização que caracterizará a eleição nacional. “Se ela se alinhar demais ao Bolsonaro, perde todo o eleitorado progressista do PT. Caso se alinhe à esquerda, perde o voto de grupos como os evangélicos”, avaliou um aliado.