Valor Econômico, n. 5234, 23/04/2021. Brasil, p. A5

 

Coalizão de países cria fundo de US$ 1 bi para proteção de florestas

Daniela Chiaretti

23/04/2021

 

 

Uma coalizão de três governos - os de Estados Unidos, Noruega e Reino Unido - e um grupo de grandes empresas lançou na Cúpula de Líderes Climáticos a “Leaf Coalition”, uma ambiciosa aliança público e privada para preservar as florestas tropicais e subtropicais do mundo. O objetivo é mobilizar ao menos US$ 1 bilhão em financiamento inicial do que tem potencial para ser o maior esforço do gênero.

Leaf é a grande iniciativa de recursos financeiros para proteger as florestas da Cúpula organizada pelo presidente Joe Biden. A iniciativa inédita funcionará mediante o pagamento por resultados de países ou governos locais em reduzir o desmatamento. É o mesmo conceito que baseia o Fundo Amazônia.

Representa uma oportunidade para o Brasil e uma derrota. A oportunidade é que não só países, mas também os governos locais podem se candidatar a receber os recursos, desde que comprovem desempenho em conter o desmatamento.

A derrota é que o Brasil terá que competir com todos os outros países que possuem florestas tropicais e subtropicais do mundo em recursos que recebia sozinho, durante o funcionamento do Fundo Amazônia. O Brasil recebeu mais de US$ 1 bilhão de recursos no Fundo Amazônia.

O Fundo Amazônia deixou de funcionar depois que os países doadores - Noruega e Alemanha - deixaram de colocar recursos doados, de seus contribuintes, para proteger a Amazônia brasileira. Foi uma resposta à mudança unilateral do ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente, de modificar a estrutura dos conselhos do Fundo, retirando as organizações da sociedade civil.

Leaf, que quer dizer folha em inglês, é a sigla para Lowering Emissions by Accelerating Forest Finance. Na coalizão, participam Amazon, Airbnb, Bayer, Boston Consulting Group, GKS, McKinsey, Nestlé, Salesforce e Unilever. O grupo de empresas está em crescimento.

“A Leaf Coalition é um exemplo inovador da escala e do tipo de colaboração necessária para combater a crise climática e alcançar emissões líquidas zero globalmente até 2050”, diz John Kerry, enviado especial para clima da Casa Branca, em comunicado que o Valor recebeu com exclusividade. “Reunir governo e setor privado é um passo necessário para apoiar os esforços em grande escala que devem ser mobilizados para conter o desmatamento e começar a restaura as florestas tropicais e subtropicais”, seguiu.

“As florestas tropicais são indispensáveis para combater as mudanças climáticas e a perda de biodiversidade e têm recebido muito menos atenção e finanças do que merecem”, diz a primeira-ministra da Noruega, Erna Solberg.

Para o primeiro-ministro do Reino Unido, “estamos perdendo as florestas tropicais em uma taxa exorbitante. Isso está tendo um impacto devastador sobre bilhões de pessoas que dependem das florestas para seu sustento.

Há várias novidades, além da estrutura do grupo. No edital da Leaf, as reduções do desmatamento serão verificadas por uma auditoria independente com padrões rigorosos. As propostas devem ser submetidas em julho para que os contratos possam ser fechados antes do fim do ano.

Nesse caso, os pagamentos pelo desempenho obtido pelos países e governos locais, serão feitos de acordo com o desempenho em conter o desmatamento em cinco anos - de 2022 a 2026. No Fundo Amazônia, era uma média de dez anos. A iniciativa irá compensar emissões de gases-estufa que forem reduzidas através da diminuição do desmatamento, da degradação florestal ou de reflorestamento.

“Os pagamentos irão ajudar países com florestas tropicais a estabelecer uma trajetória para o desenvolvimento econômico sustentável que proteja e conserve as florestas, apoiando comunidades locais e seu modo de vida”, diz o texto do comunicado.

Acabar com o desmatamento em 2030 é uma parte crucial para que o mundo atinja suas metas globais de conter o aquecimento a 1,5°C neste século. O propósito da Leaf é aumentar o interesse em proteger as florestas tropicais no mundo.

As empresas que participam da iniciativa já se comprometeram voluntariamente com metas de corte de gases-estufa. As contribuições, no ãmbito da coalizão Leaf, são adicionais e não substituem seus compromissos internos.

Será criada uma plataforma pela entidade americana Emergent para facilitar as transações e o financiamento de programas de proteção às florestas.

A iniciativa será debatida em um evento específico no segundo dia da Cúpula do Clima, amanhã.

O Consórcio dos Governadores da Amazônia Legal recebeu como “um passo altamente positivo” o lançamento da nova aliança público-privada, segundo nota enviada à imprensa.

A aliança foi feita pelos Estados Unidos, Noruega e Reino Unido com um grupo de grandes empresas, que irão colocar recursos para proteger as florestas tropicais e subtropicais.

Todos os países com florestas tropicais podem apresentar suas propostas. O mecanismo é similar ao do Fundo Amazônia, onde o Brasil recebia recursos como compensação pelos esforços de conter o desmatamento da Amazônia. Os recursos vinham depois dos resultados obtidos.

Agora há pelo menos duas diferenças: o Fundo Amazônia tinha mais de US$ 1 bilhão só para o Brasil, que nesta nova versão terá que competir com todos os outros países florestais. Os governos locais também podem se qualificar para receber os recursos.

A iniciativa Leaf inicia com mobilização de US$ 1 bilhão mas tem potencial de se tornar a maior estratégia global de proteção das florestas tropicais, vitais para conter a crise climática.

“A iniciativa pretende remunerar por resultados os governos nacionais e subnacionais que implementarem projetos de combate ao desmatamento ilegal ou de reflorestamento”, diz a nota assinada pelo governador do Maranhão Flavio Dino (PCdoB), que preside o consórcio.

“Consideramos que iniciativas como essa valorizam os esforços dos governos subnacionais na implementação de projetos que aliam o desenvolvimento regional, a melhoria dos indicadores sociais e a manutenção da floresta em pé”, diz o texto.

O Brasil, lembram os governadores da Amazônia, tem seis biomas. “Temos alta responsabilidade na utilização desses ativos para avançar no desenvolvimento de uma economia verde, que possibilite bem-estar para a população e a preservação das florestas”, diz a carta.