Valor Econômico, n. 5236, 27/04/2021. Política, p. A10

 

Liminar afasta Renan da relatoria da CPI da pandemia

Andson Lima

Renan Truffi

Fabio Murakawa

Luísa Martin

27/04/2021

 

 

Um embate na Justiça entre aliados do presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente do Senado, Renan Calheiros (MDB-AL), com consequências imprevisíveis, marca o início dos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado que investigará as ações e omissões do governo durante a pandemia, que deve começar hoje.

Uma liminar da Justiça do Distrito Federal determinou na noite de ontem que o senador Renan Calheiros (MDB-AL) não poderia ser relator da CPI. A decisão atende a um pedido da deputada bolsonarista Carla Zambelli (PSL-SP), mas é temporária - o juiz Charles Frazão de Morais ponderou sua validade até que as partes envolvidas enviem à 2ª Vara Federal as suas manifestações sobre o caso.

A princípio uma vitória do governo, a medida pode, na verdade, ter queimado pontes que o próprio Bolsonaro e seus ministros tentavam construir. Na semana passada, o presidente ligou para o governador de Alagoas, Renan Filho, pedindo que ele “colaborasse no diálogo” com o pai.

Entre interlocutores de Bolsonaro, existe a convicção de que a liminar será derrubada por instâncias superiores. Parte do núcleo mais próximo do presidente já prevê estragos políticos pela medida. “Só cria confusão”, resumiu um ministro, sob a condição de anonimato. Outro ministro ouvido pelo Valor afirma que a decisão foi “ruim para os dois lados”.

“Medida orquestrada pelo governo Jair Bolsonaro. A CPI é investigação constitucional do Poder Legislativo. Nada tem a ver com Justiça de primeira instância. Estamos entrando com recurso e pergunto: por que tanto medo?”, vociferou Renan nas redes sociais.

O imbróglio colocou ainda mais fogo na reunião do grupo conhecido como “G7”, formado por senadores de oposição ou contrários à atuação do governo na pandemia, que se reuniram em jantar ontem para discutir um alinhamento durante a condução dos trabalhos.

O G7 detém a maioria do colegiado e quer emplacar o presidente e o relator da CPI - respectivamente os senadores Omar Aziz (PSD-AM) e Renan Calheiros. Além deles, compõem o grupo Eduardo Braga (MDB-AM), Otto Alencar (PSD-BA), Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Humberto Costa (PT-PE) e Tasso Jereissati (PSDB-CE) - todos senadores experientes e de peso político considerável.

A avaliação do grupo é que a bola está com Renan. Como forma de desarmar o governo, ele vai se declarar impedido de investigar o que tiver relação com Alagoas. Nesse caso, a solução deve ser a escolha de sub-relator específico.

Do outro lado, o governo está montando uma “sala de guerra” para acompanhar a CPI, traçar estratégias, negociar com parlamentares e municiar autoridades e aliados que venham a ser chamados a depor na comissão. O objetivo principal é blindar o presidente ao dividir a responsabilidade da pandemia com os governadores.

Na comissão, contudo, não há ainda uma articulação clara: Eduardo Girão (Podemos-CE), que concorrerá ao comando da CPI, Jorginho Mello (PL-SC), Marcos Rogério (DEM-RO) e Ciro Nogueira (PP-PI) são os nomes mais alinhados com a base governista.

Para além do imbróglio na Justiça, o governo começou com o pé esquerdo sua atuação. A Casa Civil elaborou uma lista de acusações e críticas que devem ser alvos da CPI para que os ministérios elaborem respostas. O documento vazou e, publicado pelo portal “UOL”, continha 23 possíveis crimes e omissões cometidas - um número maior que os 18 pontos sugeridos por Randolfe, que deverá ser o vice-presidente da CPI. “No afã de tentar uma defesa, o que o governo acaba apresentando para a própria CPI é um roteiro a ser seguido”, ironizou o oposicionista.

Entre as acusações estão negligência do governo na compra de vacinas; minimização da gravidade da pandemia e ausência de incentivo a restrições para reduzir o contágio; promoção de tratamento precoce contra a covid sem comprovação científica; e a militarização do Ministério da Saúde.

Ainda há dúvidas no Palácio do Planalto quanto à postura a se adotar em relação ao ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, que deve ser o primeiro grande alvo das investigações. Para uma parte dos auxiliares de Bolsonaro, será inevitável “entregar uma cabeça” aos senadores. E essa cabeça seria a do ex-ministro, que já é alvo de um inquérito na Polícia Federal por conta da crise de oxigênio em Manaus.

Na Bahia, para inaugurar a duplicação de 22 quilômetros da BR-101, em Feira de Santana, Bolsonaro assegurou não estar preocupado com a CPI. “Não estou preocupado porque não devemos nada”. O presidente ainda reforçou a ameaça de utilizar as Forças Armadas contra decretos estaduais e municipais que determinem restrição de circulação de pessoas nas ruas. “As Forças Armadas estão aí para garantir a lei e a ordem”, disse. (Colaboraram Marcelo Ribeiro e Matheus Schuch).