O Estado de São Paulo, n. 46840 14/01/2022. Notas & Informações, p. A3
Guedes de novo rebaixado
14/01/2022
O dinheiro do contribuinte será a partir de agora manejado – oficialmente – sob a direção do chefe da Casa Civil da Presidência da República, ministro Ciro Nogueira (PP-PI), principal nome do Centrão no Executivo federal. O ministro da Economia, Paulo Guedes, ficará subordinado, de forma explícita, ao novo comandante das finanças da União. Qualquer decisão sobre custeio, investimento, transferência, orientação ou reorientação de recursos ficará "condicionada à manifestação prévia favorável" do ministro da Casa Civil, segundo decreto publicado no Diário Oficial de quinta-feira. Com essa decisão, o presidente Jair Bolsonaro rebaixou mais uma vez o ministro da Economia, ex-Posto Ipiranga, e subordinou a execução orçamentária, de forma integral e sem disfarce, à figura mais importante e mais influente do gabinete presidencial.
A nova humilhação parece ter sido bem aceita no Ministério da Economia, a julgar pela primeira reação registrada pela Agência Estado. Com a nova distribuição de poderes, ficará mais fácil "dividir o desgaste" ocasionado pelo corte de recursos, de acordo com resposta obtida pela reportagem. Segundo as mesmas fontes, o assunto foi discutido com a pasta. Confirmada essa informação, ficará evidenciada, de novo, a atitude mansa do ministro Guedes diante das investidas do presidente e de seu aliado favorito, o chefe da Casa Civil.
É piada falar de uma divisão de responsabilidade pelos cortes de gastos. Qualquer sugestão de austeridade, ou de respeito aos padrões de responsabilidade fiscal, só prevalecerá, como tem ocorrido até agora, se for compatível com os interesses do presidente Jair Bolsonaro e aceitável por seus apoiadores, sempre famintos por verbas públicas.
Bolsonaro pode até falar, de vez em quando, sobre ajuste das contas federais, mas suas decisões são normalmente voltadas para outros objetivos e motivadas por outras preocupações. Cuidar das finanças públicas é tarefa de quem governa ou pretende governar e tem alguma noção de interesse público. Mas o atual presidente nunca se ocupou dessas questões, jamais se dedicou ao governo e será uma surpresa se algum dia se dedicar. Se isso ocorrer, será quase certamente nas condições necessárias, segundo sua avaliação, para garantir apoio parlamentar e proporcionar votos eleitorais.
O sentido de política orçamentária, para Bolsonaro e para o Centrão, é aquele indicado por vários episódios escandalosos, como a destinação de R$ 5,7 bilhões ao fundo eleitoral e a farra das emendas, facilitada pela adoção do orçamento secreto. O presidente vetou os R$ 5,7 bilhões, numa decisão previsivelmente contornável no Congresso. Tem faltado dinheiro para programas de interesse público, mas tem sobrado para alimentar mais de R$ 16 bilhões de emendas destinadas a favorecer interesses particulares, principalmente eleitorais.
Nada mais compreensível, quando prevalecem os interesses particulares do presidente e de seus apoiadores, que o rompimento do teto de gastos, um dispositivo constitucional criado para limitar a expansão real da despesa pública. Quando é necessário romper esses limites, o presidente pode esperar o apoio de parlamentares e a criatividade da equipe econômica, com soluções como a alteração do calendário usado para o cálculo da inflação usada como referência. O ministro da Economia participou desse jogo. Por que evitaria participar de novos lances coordenados, a partir de agora, pelo chefe da Casa Civil?
Parte dos observadores políticos e do mercado ainda parece ver o ministro Paulo Guedes como um funcionário empenhado em disciplinar os gastos e manter saudáveis as contas públicas. Essa tarefa será especialmente difícil, neste ano, se as previsões de estagnação econômica e, portanto, de baixa arrecadação, se confirmarem. Nem por isso Bolsonaro desistirá de gastar para seus objetivos e para atender o Centrão.