O Estado de São Paulo, n. 46840 14/01/2022. Política, p. A6

Bolsonaro quer aprovar pacote de bondade para PMs e bombeiros
Daniel Weterman
14/01/2022



Proposta prevê retorno à corporação de policiais não reeleitos e autoriza nomeação de investigados; categoria é considerada estratégica para projeto de reeleição do presidente

O governo Jair Bolsonaro quer aprovar um projeto que beneficia policiais militares e bombeiros estaduais, em um aceno a duas categorias consideradas estratégicas para o seu plano de reeleição neste ano. Aliados do Palácio do Planalto agem para votar a nova lei orgânica de PMs e bombeiros em março, concedendo um pacote de bondades no momento em que o presidente enfrenta queda de popularidade.

A articulação ocorre após o governo patrocinar um reajuste para policiais federais no Orçamento de 2022, o que provocou pressão dos policiais militares. A proposta inicialmente tirava poder dos governadores sobre o comando das polícias, mas deve agora se concentrar em benefícios para os militares nos Estados, que formam o maior contingente de segurança pública no País.

Números do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostram que na ativa há 406 mil PMs e 56 mil bombeiros. No pacote em estudo pelo governo estão previstas a criação de patentes e a possibilidade de policiais e bombeiros que se tornaram parlamentares voltarem à ativa, se não forem reeleitos. Há, ainda, a garantia de nomeação e promoção para investigados pela Justiça e mesmo para os que se tornaram réus.

A movimentação de militares desde que Bolsonaro tomou posse aumentou o temor sobre o uso político das PMs contra governadores. Um exemplo foi a pressão por reajustes salariais em vários Estados, em 2020, que desembocou em um motim no Ceará. O controle das PMs e dos bombeiros e a revisão salarial cabem aos governadores.

PRESSA. A "bancada da bala" elegeu esse projeto como prioritário e quer aprovar o texto em março na Câmara e na sequência no Senado, a tempo da campanha eleitoral. Relator da proposta, o presidente da Frente Parlamentar da Segurança Pública, deputado Capitão Augusto (PL-SP), antecipou a nova versão do parecer ao Estadão/Broadcast e retirou alguns pontos questionados. O texto ainda deve passar por revisão.

Diante da articulação pelo reajuste para policiais federais, impasse ainda não resolvido, o projeto se tornou uma estratégia para o governo agradar aos PMs, que passaram a reclamar por ficar "atrás" na fila das benesses. A queixa se intensificou porque os PMs representam o maior efetivo das forças de segurança, além de potencial apoio para a campanha à reeleição de Bolsonaro.

MEDIDAS. O projeto na Câmara revisa um decreto-lei de 1969 e promove mudanças na organização interna das polícias e bombeiros militares, instituições subordinadas aos governadores. A proposta é alvo de questionamento nos Estados, que alegam interferência do governo e do Congresso. Para diminuir as resistências, o relator deve submeter o texto a instituições que representam os policiais e os gestores.

O texto prevê três novas patentes para policiais da cúpula (tenente-general, major-general e brigadeiro-general), garante revisão na remuneração, a ser definida pelos Estados e estabelece privilégios para policiais, como tratamento diferenciado em caso de investigações ou prisão criminal.

Além disso, o projeto permite que profissionais indiciados em inquérito policial ou réus em processo judicial ou administrativo sejam nomeados e até promovidos nas corporações. A promoção de policiais investigados foi incluída no projeto sob o argumento de que a Constituição garante o princípio da presunção de inocência. "Estamos acertando algo em que hoje há uma vedação velada, mas temos de respeitar a Constituição, mesmo sendo contrários", disse o relator.

Para policiais e bombeiros que se lançam na política, o texto garante o direito de um parlamentar não reeleito retomar as atividades na corporação, estendendo o direito aos congressistas atuais. Atualmente, eles são afastados e não podem voltar à ativa.

"O que os PMs estão pedindo é para trabalhar. Se eu não fosse reeleito, eu gostaria de voltar e continuar trabalhando", afirmou o presidente da Frente da Segurança Pública. A regra para eleição de militares está na Constituição e este é outro ponto que pode vir a ser questionado.

COMANDANTES. A nova versão do parecer excluiu o tempo de mandato e a exigência de lista tríplice para escolha dos comandantes-gerais da PM nos Estados, medida criticada por governadores no ano passado, após o Estadão revelar o teor do parecer. Hoje, a escolha é feita livremente pelos governadores e não há limitação ao período dos oficiais nos cargos.

O relator retirou ainda o item que obrigava os governadores a comprovar os motivos para exoneração dos comandantes. O relatório manteve, por outro lado, a exigência de que os comandantes sejam escolhidos por critério de antiguidade. "É o mínimo que existe em praticamente todos os Estados e estamos padronizando. Não há nada que restrinja os governadores", afirmou Capitão Augusto.